Ah, esses moços ...
Foi no Rio de Janeiro que passei a primeira noite nessa mais recente volta ao Brasil. Noite inquieta sob as sombras do Arcos da Lapa, onde música, sexo barato e paraísos artificiais ditam a regra da farra. Uma confusão do outro lado da rua me acorda na madrugada e, debruçado na janela, acompanho o filme envolvendo um senhor de cabelos brancos, uma moça excessivamente maquiada e uma dupla de policiais. “Não comeu? – pergunta o cana – “Então pague!” e logo ouve-se um sonoro tapa, desses dados com a mão aberta. Pagou, é claro. Ninguém resiste a um bom argumento aliado a uma demonstração de força.
A Lapa sempre foi assim: pura boêmia que se adapta com o tempo e uma nova geração disputa espaço entre travestis, pinguços e damas da noite: B-boys e rappers apresentam suas batidas enquanto no Semente – simpática casa de samba - alguma revelação desabrocha; folcloristas revivem o Jongo da Serrinha enquanto roqueiros balançam suas cabeças ao som de hardcore, tudo na santa paz ou até onde isso é possível.
Apesar da aparente diversidade uma palavra é consenso nas cabeçinhas desses moleques: raiz. Tudo tem que ser de raiz! Reggae bom tem que ser de raiz, o samba, idem, também o rock e até mesmo os DJs. O que é um DJ de raiz? Deve ser aquele que usa vinis, mesmo que isso reduza seu set a coisas que só foram lançadas nesse formato que não é barato e nem fácil de achar.
Enquanto a cerveja vai enchendo o copo, enquanto a língua molha a seda do cigarro, um Caboclo Ariano – o Caboclo Africano é gente fina - baixa nos moleques e tome conversa em busca do que é ou não puro...de raiz. Houve mesmo o caso de um mestre de jongo duramente criticado por inserir uma harpa no seu brincante. O mestre é do povão mas os puristas, obviamente, são universitários de classe média que, sem perceber, tornam-se gatilhos do reacionarismo cultural mais rasteiro.
Gosto de dizer que Dona Lia de Itamaracá merecia ser Madona, no seguinte sentido: ela merecia ter videoclipes bacanas, tocar na rádio e na MTV, fazer tournês internacionais por que ela é uma das mais interessantes cantoras que conheço, uma artista carismática e inteligente. Já dividi o palco com Mestre Salustiano mais de uma vez. Eu e minhas máquinas. Ele e sua rabeca. Funcionou divinamente pelo fato de que antes de ser eleito como um símbolo ele é músico e suas aspirações são, portanto, musicais e não sociológicas.
Como dizia Walter Franco nos loucos anos 70: “Quem tem raiz é planta”.
Som de preto 1
Houve uma época em que o hip-hop não era feito por moleques com pose e caras de malvado e apenas – apenas? -servia de suporte para louvar a positividade da cultura vinda dos guetos, uma louvação à auto estima, esperançosa por tempos mais justos porém sem a amargura dos rappers atuais.
Esse tempo bom está registrado na compilação “Big Apple Rappin’ – The Early Days of Hip-Hop Culture in New York City”, lançamento imperdível do selo Soul Jazz Records.
Som de Preto 2
Do hip-hop para o Acid house foi um passo! E o Soul Jazz segue desvendando a era primitiva da dance contemporânea numa outra compilação básica: Acid, com os pioneiros – negros em geral – que aceleraram a batida do hip-hop até um formato muito familiar aos ouvidos dos clubbers de hoje em dia.
Na bolacha, nomes como Sleezy D (um dos codinomes do lendário Marshall Jéferson), Lil’l Louis, Armando e Green Velvet.
Som de cinema
Vem de um dos componentes do grupo Troublemakers, East, uma trilha sonora bem interessante mesmo que fora do mundo das imagens: “13 Tzameti”.
Embora predomine temas ambient, há momentos de flerte com o trip-hop e abstrações sonoras com diálogos que por si já são visuais. Ah, se certas percussões lhe soarem familiar fique sabendo que a culpa não é daquele cigarro que você fumou antes de ouvir o disco. A culpa é de nosso Mr. Jam, meu ex-companheiro de Santa Massa, hipnotizando os franceses com sua sabedoria percussiva.