Diario da Dinamarca #8
Copenhagen, seu DJ favorito – eles ainda não sabem disso, mas um dia vão descobrir - esta de volta para casa! Feito filho pródigo ou cachorro perdido, feito marido arrependido ou gato briguento.
Entre o desembarque e a saída sou abordado por um cara gordinho e nervoso. “Sou sem-teto, tem 5 Kronos para mim?”, ele pergunta. Não dou esmola, normalmente, ainda mais pra europeu!! Que se fodam, malditos colonizadores!!! Quando disse que não entendia a lingua ele falou francês e depois inglês comigo. Da para imaginar um mendigo tão classe A?
Na saída, o desejado cigarro me enche de alegria. Observo três mulheres com longas pernas expostas, visivelmente bêbadas, usando saias que mais parecem cintos de tão curtas. Seriam prostitutas ou apenas, como na musica de Cindy Lauper, “girls that wanna have fun” – traduzido livre e toscamente por meu amigo de adolescência, Tata, como “garotas que querem putear”. Elas esperam uma colega que, ao chegar dispara aquele barulho histérico típico das adolescentes. Vão meninas, va, Gina, o mundo pertence a vocês!!!
O mesmo mendigo me aparece de novo com a mesmo papo. Ok: dessa vez estou do lado de fora, fumando um cigarro, feliz por voltar para casa e meio arrependido de não ter puxado conversa antes com o maluco. Tiro da minha bolsa um saquinho cheio de moedas de um Krono, dou para ele e pergunto como ele pode ser sem-teto em Copenhagen. Resposta não ha e, num gesto rápido, ele puxa minha mão, beija-a e desaparece.
Pego o táxi de volta para Meinungsdade 26, onde fica meu ninho nessa bela cidade. Sento no banco da frente e arrisco assunto com o motorista, um afro-negro convicto por natureza e sorte. Pergunto de novo como pode haver sem-teto nessa sociedade tão evoluída. Seria ele um viciado? Um alcolatra ou algo do tipo? Resposta: “em torno da estação tem muitos drogados, talvez seja isso, mas provavelmente deve ser doido. Não tem como ser sem-teto aqui a não ser que se queira mesmo”. Na minha cabeça passa uma serie de reflexões baseada no principio de que ele, o mendigo, estaria negando o modelo social estabelecido como um Proudhon moderno. Mas, deixa pra la, fique com seus pensamentos, Helder, senão a conversa vai parar por ai. Quem se importa com isso?
E seguimos falando de bundas dinamarquesas, bundas brasileiras, chegando a conclusão que brasileiras são as mais gostosas, que ele deveria poupar grana e passar um tempo na América do Sul. E que, pra sua felicidade e orgulho, negões se dão muito bem por aqui, na Dinamarca! E continuamos falando besteira, coisa que alimenta a rede social masculina, prolongando assim, a longa cervejada com Rodrigo, pouco antes de pegar o trem entre Arhus e Copenhagen.
Aqui, uma pausa para explicações: garotas, homens são crianças crescidas e, se esse tipo de dialogo lhes parece grosseiro, nos perdoem. Sejam compreensivas, superiores e entendam que essa eh nossa forma primitiva e infantil de dizer o quanto as admiramos, o quanto seus peitos, bundas, pernas, corpos, vozes, gestos, cheiros e cabelos nos encantam e nos transportam para aquele alumbramento tão bem descrito por Manoel Bandeira:
“E vi a Via-Láctea ardente…
Vi comunhões… capelas… véus…
Súbito… alucinadamente…
Vi carros triunfais… troféus…
Pérolas grandes como a lua…
Eu vi os céus! Eu vi os céus!
- Eu vi-a nua… toda nua!”
A saudável canalhice tempera a carranca da vida e, se for tomar pela letra de um tecnobrega da Banda Fruto Sensual, cantado por uma voz feminina, que andou freqüentando meus ouvidos recentemente, eh bem vinda entre as mulheres:
“um pouco de canalha, so pra temperar;
safado e gostoso tem o seu valor,
caiu na minha rede,
aceita meu amor.”
Pra terminar o tema: fujam de homens certinhos, limpinhos, com nojinhos e gostos. Esses caras são uns malas narcisistas e não estão nem ai pra vocês.
Segunda-feira chega como feriado, o que significa: lojas fechadas, pouca gente na rua, nada para fazer a não ser andar a esmo por essa cidade-de-boneca fantasma.
Chove fino e nem da para sentar num café e passar o tempo lendo algo. Para completar, meus poucos amigos estão ocupados e recolhem-se a suas atividades domesticas e profissionais.
Tento achar um outro mendigo que eh quase onipresente em Copenhagen, com uma visível e inquestionável credibilidade: usa um chapéu típico de derviche – que eh característica dos mendigos persas – e ele tem cara de persa, enfim ... um pedinte profissional, um homem executando sua arte distante de suas origens.
Seu rosto talhado e duro, olhos castanhos mortiços, exalando uma infinita humildade embora que, firmemente insistente, havia me chamado atenção algumas vezes.
Encontro-o facilmente e dessa vez ele não esta na posição habitual: corpo curvado, mão esquerda estendida, emitindo seu apelo em palavras que mais pareciam preces do que mendicância – prece eh mendicância divina, então da no mesmo! Bom, em algumas culturas religião e desapego material estão fortemente ligados. E esse parece ser o cara! Mesmo nosso persa – já estou acreditando nisso! – esta entediado com o feriado, com a falta de gente na rua e prostra-se num batente, calado, observando o vazio.
Dou uma boa esmola, 20 kronos, e peco, através de gestos, para desenha-lo. Ele consente, eu saco meu sketch book do casaco e começo a tarefa apoiando-o com a mão esquerda.
Faço um esboço simples e mostro. Para minha satisfação, ele aprova com sorriso misterioso mas francamente simpático.
Apenas gente correndo em suas malhas de frio, ciclistas indo de um lado para o outro, locais fazendo compras em pequenos quiosques, única coisa aberta nesse dia, povoam Copenhagen. Ah, claro, tem os donos de cães com seus animais de todos os tamanhos e raças, levando seus bichos para se exercitarem e emporcalharem a cidade. Se o mundo fosse dividido em quem gosta de gatos e quem gosta de cachorro, eu estaria na primeira categoria. Cães são animais estúpidos: latem e rosnam quando vêem um semelhante mas no final tudo acaba numa longa cheiracao de cu.
Animais de rua não ha, nem mesmo os famigerados esquilos, tão presente em Londres. Tem um enorme gato preto, esquivo, desconfiado, que ronda os condomínios da região e deita-se de barriga pra cima quando faz sol.
Tenho visto celebridades por aqui. Ou, gente muito parecida com as que estão no meu rol particular de celebridades: um Kurt Vonnegut aqui, um Gunter Grass acolá, Karen Blixen tomando sorvete e, outro dia, juro que vi Salman Rushdie enfiando a cara num pote de cha num restaurante. Fantasmas, clones, frutos de uma imaginação ociosa ...Isso me faz lembrar do meu terceiro mendigo: o sósia de Ryan Larkin.
Quando saia de uma estação de trem vi aquele cara magro, grande e desajeitado, pedindo dinheiro como quem dança: abre-se as pernas, estica-se os braços – um para frente, outro para trás, faz-se uma curvatura de agradecimento e levanta-se um chapéu imaginário. Exatamente como fazia o Ryan original no filme do diretor Chris Landreth.
O curta eh uma animação sofisticadíssima que recolhe imagem e som ambientes posteriormente manipulados. Começa com perturbadoras observações do diretor sobre seqüelas que a vida nos causa e segue narrando a trajetória de Ryan Larkin, um dos grandes animadores canadenses, numa terra de gigantes da área. Ryan chegou a concorrer a um Oscar, foi reconhecido no mundo inteiro e, num estalo de dedos, perdeu a sanidade, o gosto pela vida, foi parar na rua, virou um homeless, um sem-teto.
A idéia de perder a sanidade já foi tema de uma das minhas canções e eh uma espécie de obsessão pessoal. O quão longe podemos ir em nossas perdas? Como equilibrar a realidade que compartilhamos com os outros e a que criamos para nos mesmos ? E, principalmente, em que exato momento perdemos o equilíbrio e desabamos no vácuo da insanidade?
Não tenho resposta, por isso vou na janela, acendo um cigarro e bebo mais um gole de uísque.
"O futuro eh incerto e o fim esta sempre proximo", ja dizia Mr. Morrison...
Entre o desembarque e a saída sou abordado por um cara gordinho e nervoso. “Sou sem-teto, tem 5 Kronos para mim?”, ele pergunta. Não dou esmola, normalmente, ainda mais pra europeu!! Que se fodam, malditos colonizadores!!! Quando disse que não entendia a lingua ele falou francês e depois inglês comigo. Da para imaginar um mendigo tão classe A?
Na saída, o desejado cigarro me enche de alegria. Observo três mulheres com longas pernas expostas, visivelmente bêbadas, usando saias que mais parecem cintos de tão curtas. Seriam prostitutas ou apenas, como na musica de Cindy Lauper, “girls that wanna have fun” – traduzido livre e toscamente por meu amigo de adolescência, Tata, como “garotas que querem putear”. Elas esperam uma colega que, ao chegar dispara aquele barulho histérico típico das adolescentes. Vão meninas, va, Gina, o mundo pertence a vocês!!!
O mesmo mendigo me aparece de novo com a mesmo papo. Ok: dessa vez estou do lado de fora, fumando um cigarro, feliz por voltar para casa e meio arrependido de não ter puxado conversa antes com o maluco. Tiro da minha bolsa um saquinho cheio de moedas de um Krono, dou para ele e pergunto como ele pode ser sem-teto em Copenhagen. Resposta não ha e, num gesto rápido, ele puxa minha mão, beija-a e desaparece.
Pego o táxi de volta para Meinungsdade 26, onde fica meu ninho nessa bela cidade. Sento no banco da frente e arrisco assunto com o motorista, um afro-negro convicto por natureza e sorte. Pergunto de novo como pode haver sem-teto nessa sociedade tão evoluída. Seria ele um viciado? Um alcolatra ou algo do tipo? Resposta: “em torno da estação tem muitos drogados, talvez seja isso, mas provavelmente deve ser doido. Não tem como ser sem-teto aqui a não ser que se queira mesmo”. Na minha cabeça passa uma serie de reflexões baseada no principio de que ele, o mendigo, estaria negando o modelo social estabelecido como um Proudhon moderno. Mas, deixa pra la, fique com seus pensamentos, Helder, senão a conversa vai parar por ai. Quem se importa com isso?
E seguimos falando de bundas dinamarquesas, bundas brasileiras, chegando a conclusão que brasileiras são as mais gostosas, que ele deveria poupar grana e passar um tempo na América do Sul. E que, pra sua felicidade e orgulho, negões se dão muito bem por aqui, na Dinamarca! E continuamos falando besteira, coisa que alimenta a rede social masculina, prolongando assim, a longa cervejada com Rodrigo, pouco antes de pegar o trem entre Arhus e Copenhagen.
Aqui, uma pausa para explicações: garotas, homens são crianças crescidas e, se esse tipo de dialogo lhes parece grosseiro, nos perdoem. Sejam compreensivas, superiores e entendam que essa eh nossa forma primitiva e infantil de dizer o quanto as admiramos, o quanto seus peitos, bundas, pernas, corpos, vozes, gestos, cheiros e cabelos nos encantam e nos transportam para aquele alumbramento tão bem descrito por Manoel Bandeira:
“E vi a Via-Láctea ardente…
Vi comunhões… capelas… véus…
Súbito… alucinadamente…
Vi carros triunfais… troféus…
Pérolas grandes como a lua…
Eu vi os céus! Eu vi os céus!
- Eu vi-a nua… toda nua!”
A saudável canalhice tempera a carranca da vida e, se for tomar pela letra de um tecnobrega da Banda Fruto Sensual, cantado por uma voz feminina, que andou freqüentando meus ouvidos recentemente, eh bem vinda entre as mulheres:
“um pouco de canalha, so pra temperar;
safado e gostoso tem o seu valor,
caiu na minha rede,
aceita meu amor.”
Pra terminar o tema: fujam de homens certinhos, limpinhos, com nojinhos e gostos. Esses caras são uns malas narcisistas e não estão nem ai pra vocês.
Segunda-feira chega como feriado, o que significa: lojas fechadas, pouca gente na rua, nada para fazer a não ser andar a esmo por essa cidade-de-boneca fantasma.
Chove fino e nem da para sentar num café e passar o tempo lendo algo. Para completar, meus poucos amigos estão ocupados e recolhem-se a suas atividades domesticas e profissionais.
Tento achar um outro mendigo que eh quase onipresente em Copenhagen, com uma visível e inquestionável credibilidade: usa um chapéu típico de derviche – que eh característica dos mendigos persas – e ele tem cara de persa, enfim ... um pedinte profissional, um homem executando sua arte distante de suas origens.
Seu rosto talhado e duro, olhos castanhos mortiços, exalando uma infinita humildade embora que, firmemente insistente, havia me chamado atenção algumas vezes.
Encontro-o facilmente e dessa vez ele não esta na posição habitual: corpo curvado, mão esquerda estendida, emitindo seu apelo em palavras que mais pareciam preces do que mendicância – prece eh mendicância divina, então da no mesmo! Bom, em algumas culturas religião e desapego material estão fortemente ligados. E esse parece ser o cara! Mesmo nosso persa – já estou acreditando nisso! – esta entediado com o feriado, com a falta de gente na rua e prostra-se num batente, calado, observando o vazio.
Dou uma boa esmola, 20 kronos, e peco, através de gestos, para desenha-lo. Ele consente, eu saco meu sketch book do casaco e começo a tarefa apoiando-o com a mão esquerda.
Faço um esboço simples e mostro. Para minha satisfação, ele aprova com sorriso misterioso mas francamente simpático.
Apenas gente correndo em suas malhas de frio, ciclistas indo de um lado para o outro, locais fazendo compras em pequenos quiosques, única coisa aberta nesse dia, povoam Copenhagen. Ah, claro, tem os donos de cães com seus animais de todos os tamanhos e raças, levando seus bichos para se exercitarem e emporcalharem a cidade. Se o mundo fosse dividido em quem gosta de gatos e quem gosta de cachorro, eu estaria na primeira categoria. Cães são animais estúpidos: latem e rosnam quando vêem um semelhante mas no final tudo acaba numa longa cheiracao de cu.
Animais de rua não ha, nem mesmo os famigerados esquilos, tão presente em Londres. Tem um enorme gato preto, esquivo, desconfiado, que ronda os condomínios da região e deita-se de barriga pra cima quando faz sol.
Tenho visto celebridades por aqui. Ou, gente muito parecida com as que estão no meu rol particular de celebridades: um Kurt Vonnegut aqui, um Gunter Grass acolá, Karen Blixen tomando sorvete e, outro dia, juro que vi Salman Rushdie enfiando a cara num pote de cha num restaurante. Fantasmas, clones, frutos de uma imaginação ociosa ...Isso me faz lembrar do meu terceiro mendigo: o sósia de Ryan Larkin.
Quando saia de uma estação de trem vi aquele cara magro, grande e desajeitado, pedindo dinheiro como quem dança: abre-se as pernas, estica-se os braços – um para frente, outro para trás, faz-se uma curvatura de agradecimento e levanta-se um chapéu imaginário. Exatamente como fazia o Ryan original no filme do diretor Chris Landreth.
O curta eh uma animação sofisticadíssima que recolhe imagem e som ambientes posteriormente manipulados. Começa com perturbadoras observações do diretor sobre seqüelas que a vida nos causa e segue narrando a trajetória de Ryan Larkin, um dos grandes animadores canadenses, numa terra de gigantes da área. Ryan chegou a concorrer a um Oscar, foi reconhecido no mundo inteiro e, num estalo de dedos, perdeu a sanidade, o gosto pela vida, foi parar na rua, virou um homeless, um sem-teto.
A idéia de perder a sanidade já foi tema de uma das minhas canções e eh uma espécie de obsessão pessoal. O quão longe podemos ir em nossas perdas? Como equilibrar a realidade que compartilhamos com os outros e a que criamos para nos mesmos ? E, principalmente, em que exato momento perdemos o equilíbrio e desabamos no vácuo da insanidade?
Não tenho resposta, por isso vou na janela, acendo um cigarro e bebo mais um gole de uísque.
"O futuro eh incerto e o fim esta sempre proximo", ja dizia Mr. Morrison...
2 Comments:
acho esse negócio de diário compartilhado, o máximo!
queria ter tempo para ler, ficar bundeando na internet. não tenho, que pena! viajar nas asas dos outros, aqueles que pagaram a pena de ser artistas e estão naquele estágio de viajar, fazer uma apresentação, e depois ficar olhando a cidade, escrevendo diário. adoro essa possibilidade! na próxima encarnação vou ser cantora de barzinho, pra poder dançar e beber em paz e no dia seguinte acordar tarde e ficar bundando na rua, demorar uma hora na padaria lendo jornal, revista livro...
Sanidade é uma das músicas que me acompanha quando corro! Delícia ler este teu diário de viagem, me lembra muito Pedro Juan Gutierrez na Suécia com o seu Animal Tropical...
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