Diario da Dinamarca #7
O sol brilha com vontade nessa tarde azul e quente em Arhus. Ca estou, precisamente ha 4 lances de escadas, no seguinte endereço: Skouvejen 46G, de frente para um porto repleto de veleiros, olhando para o mar e, alem dele, mais um pedaço de terra em que se vê plantações verdes, casas, um fino fio de fumaça... no inicio pensei que fosse uma ilha mas não eh. A paisagem que observo eh uma espécie de baia nesse complexo desenho do território dinamarquês.
Do lado esquerdo, um bosque com imensas arvores e embaixo casas com muros feitos por plantas podadas com rigor que, somado aos pinheiros, flores e arbustos dispersos fazem que o verde preencha grande parte do meu campo de visão. Nos quintais das casas de arquitetura classica, mesas longas, churraqueiras, uma piscina, pássaros passeando e ciscando sob o olhar de quem, como eu, simplesmente se deixa largar na varanda e aproveita esse belo quadro vespertino.
Do lado direito, uma grande varanda e la, ao fundo, um homem toca violão enquanto uma bela moca o acompanha cantando e movendo-se languidamente.
O verão parece anunciar sua chegada, eh época dos casais saírem as ruas, espalharem sua felicidade pelos parques, calcadas, estações de trem, jardins... pelas escadas, sentados nos batentes, no gramado, no chão de pedra, eh tempo de sussurros, olhos brilhantes, mãos dadas, beijos ternos.
Para mim, sobra uma cancão de Leonard Cohen chamada “Tower of Song”. Nela, o grande poeta canadense constrói a imagem de um torre onde os músicos vivem isolados e, em certo momento ele pergunta a Hank Williams “o quanto se pode ser so” e completa “ Hank Williams ainda não me respondeu mas escuto-o tossindo durante toda a noite”.
Ouvi essa musica pela primeira vez nos distantes anos 80 e na época mal prestei a tenção a letra pois havia uma garota que era a única coisa que me importava nesse mundo e assim foi durante muito tempo, os melhores anos da minha vida, cheio de uma plena e inesgotável felicidade.
Será que eu sabia o quanto era feliz?
Se a vida fosse perfeita teríamos um fantasma como o rei da Dinamarca, pai de Hamlet, soprando nos nossos ouvidos que “preste atenção, você eh feliz, aproveite, talvez não o seja nunca mais!”. Ou melhor, seria um Lupcinio Rodrigues, bemassombrando as vidas, avisando aos mocos, pobres mocos, que não deveriam ir ao inferno a procura de luz.
Mas, infelizmente, a gente soh descobre o que eh bom depois que perde. Aprendemos a duras penas, por comparação.
O tempo passa rápido e já estou na terceira semana. Ha poucos dias atrás houve uma festa na escola de musica e alunos do leste cantaram em coro algumas faixas balcânicas do meu set. No dia seguinte já era hora de ir para outra cidade, Alborg e fazer mais festa – a festa nunca tem fim - durante a noite. Foi o dia mais quente desde que cheguei aqui e não precisei de casaco nem aquecedor. A luz estava linda, tornando um bela cidade mais bela ainda. Muitas praças, muito verde, crianças correndo pela grama, gente carregando flores em suas bicicletas. Aqui trabalha-se pouco, soh ate as 4 da tarde e depois, carpem diem, camarada! Sem hora extra, use seu tempo livre para fazer algo por você mesmo.
Em Alborg, dia lindo de sol, hotel bacana, com dois banheiros enormes e muito espaço. La cortei meu cabelo!
Depois da passagem de som, ganho uma garrafa de uísque e volto a pe para o hotel, balançando-a e, eventualmente bebendo direto no gargalo enquanto ando. Sempre quis fazer isso....
Quando voltei para Arhus, fui andando a pe, puxando minha mala ate a casa do Rodrigo pois ele iria me trazer ate esse apartamento onde estou. Diante de tantas mulheres bonitas que via na rua, cutucuo-me uma certa melancolia feito botão de flor, pronta pra desabrochar, e me lembrei daquele poema de Baudelaire “A uma passante”, onde ele vê uma linda mulher na multidão, encanta-se por sua beleza, seus olhos, suas pernas, seus movimentos e, quando ela some entre os pedestres, ele conclui:
“Um relâmpago e após a noite! — Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
So te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado — e o sabias demais!”
Como todo ideal, o ideal romântico se destrói se confrontado com a realidade, portanto, se o velho Baudelaire tivesse a oportunidade de casar-se com sua musa da rua, se juntos tivessem filhos, se um dia ele a olhasse e visse em sua frente uma mulher gasta pela maternidade, rodeada de crianças com nariz escorrendo e ela, ali, com o avental todo sujo de ovo, o que ele então ele escreveria? E ela? O que pensaria daquele homem que antes parecia tão brilhante e galanteador e agora cheirava a vinho barato e hash, embriagado, com a língua enrolada, sujo de lama e torto, se apoiando nas paredes?
Na noite anterior, no fim da festa, uma belíssima morena de olhos claros se aproximou com a segunda cantada mais manjada para seduzir um DJ: “vamos para minha casa, me ensine a mixar.”
(A primeira eh “vamos ouvir esses discos lah em casa”. Mas eu não uso discos, portanto essa cantada foi tirada definitivamente da minha vida e, talvez possa ser substituída por “vamos ouvir esses MP3s la em casa?” – coisa que não soa bem.)
Disse – e não menti - que estava cansado e queria ir para o hotel. Diante dessa reação, incomum para um moca bonita e desejada pela a maioria dos homens, veio a fúria seguida de um tom de voz mais alto e a ameaça tola de que se não fosse naquele momento, não seria nunca mais. Então saiu pisando forte, furando o chão com os calcanhares.
Aqui, uma confissão extraordinária: em dez anos de carreira profissional – e mais dez como DJ amador – nunca fiquei com nenhuma fan (embora tenha feita algumas estripulias com algumas delas), ou se fiquei, simplesmente não lembro, o que torna tudo irrelevante. Assim como Groucho Max não entraria num clube que o aceitasse como sócio, consequentemente não posso levar a serio gente que me ache brilhante, genial e bla, bla, bla... ou seria esse pensamento muito pouco generoso e totalmente egocêntrico?
Hoje, um sábado, acordei imerso em tédio, preguiça ate para sair e comer alguma coisa... mas a fome nos move e la vou, carregando esse corpo cansado pelas ruas pacatas de Arhus. No calçadão do centro da cidade uma bela exposição de fotos em preto e branco de pessoas bem comuns mas com o poder da lente, sob o olhar do fotografo, algo as torna estranho, poderiam ser portraits de ouro planeta com todas aquelas manchas na pele e rugas destacadas pelo contraste fortíssimo. E la estão aquelas estranhas criaturas, observando o cotidiano dos pedestres com seus cachorros, enfiadas em roupas colantes de corrida, casacos escuros, cabelos loiros.
Tento comprar algo para mim, um chapéu, um gadget qua;quer, uma roupa... mas ate para fazer compras eh preciso inspiração e estou vazio. Tudo o que queria era estar sentado num café com um amigo, rindo por besteira, observando a vida dos outros com malicia.
Volto para casa carregado de frutas, salada, vinho e camarão. Preparo algo para comer e lembro da historia de Nana. Quando ele foi morar em nova iorque não sabia falar inglês e tinha poucos amigos, então, eventualmente fazia um bom jantar, punha um vinho no centro da mesa, dois pratos e duas tacas. Deixava tudo pronto para duas pessoas mas comia sozinho, falava sozinho, como se estivesse recebendo alguem. Ha algo de belo e de melancólico nisso que nunca consegui esquecer.
Fiz uma salada, fui para a varanda e como lentamente olhando o oceano, esperando por Icaros em queda, um desastre maritmo ou simplesmente o canto das sereias.
Do lado esquerdo, um bosque com imensas arvores e embaixo casas com muros feitos por plantas podadas com rigor que, somado aos pinheiros, flores e arbustos dispersos fazem que o verde preencha grande parte do meu campo de visão. Nos quintais das casas de arquitetura classica, mesas longas, churraqueiras, uma piscina, pássaros passeando e ciscando sob o olhar de quem, como eu, simplesmente se deixa largar na varanda e aproveita esse belo quadro vespertino.
Do lado direito, uma grande varanda e la, ao fundo, um homem toca violão enquanto uma bela moca o acompanha cantando e movendo-se languidamente.
O verão parece anunciar sua chegada, eh época dos casais saírem as ruas, espalharem sua felicidade pelos parques, calcadas, estações de trem, jardins... pelas escadas, sentados nos batentes, no gramado, no chão de pedra, eh tempo de sussurros, olhos brilhantes, mãos dadas, beijos ternos.
Para mim, sobra uma cancão de Leonard Cohen chamada “Tower of Song”. Nela, o grande poeta canadense constrói a imagem de um torre onde os músicos vivem isolados e, em certo momento ele pergunta a Hank Williams “o quanto se pode ser so” e completa “ Hank Williams ainda não me respondeu mas escuto-o tossindo durante toda a noite”.
Ouvi essa musica pela primeira vez nos distantes anos 80 e na época mal prestei a tenção a letra pois havia uma garota que era a única coisa que me importava nesse mundo e assim foi durante muito tempo, os melhores anos da minha vida, cheio de uma plena e inesgotável felicidade.
Será que eu sabia o quanto era feliz?
Se a vida fosse perfeita teríamos um fantasma como o rei da Dinamarca, pai de Hamlet, soprando nos nossos ouvidos que “preste atenção, você eh feliz, aproveite, talvez não o seja nunca mais!”. Ou melhor, seria um Lupcinio Rodrigues, bemassombrando as vidas, avisando aos mocos, pobres mocos, que não deveriam ir ao inferno a procura de luz.
Mas, infelizmente, a gente soh descobre o que eh bom depois que perde. Aprendemos a duras penas, por comparação.
O tempo passa rápido e já estou na terceira semana. Ha poucos dias atrás houve uma festa na escola de musica e alunos do leste cantaram em coro algumas faixas balcânicas do meu set. No dia seguinte já era hora de ir para outra cidade, Alborg e fazer mais festa – a festa nunca tem fim - durante a noite. Foi o dia mais quente desde que cheguei aqui e não precisei de casaco nem aquecedor. A luz estava linda, tornando um bela cidade mais bela ainda. Muitas praças, muito verde, crianças correndo pela grama, gente carregando flores em suas bicicletas. Aqui trabalha-se pouco, soh ate as 4 da tarde e depois, carpem diem, camarada! Sem hora extra, use seu tempo livre para fazer algo por você mesmo.
Em Alborg, dia lindo de sol, hotel bacana, com dois banheiros enormes e muito espaço. La cortei meu cabelo!
Depois da passagem de som, ganho uma garrafa de uísque e volto a pe para o hotel, balançando-a e, eventualmente bebendo direto no gargalo enquanto ando. Sempre quis fazer isso....
Quando voltei para Arhus, fui andando a pe, puxando minha mala ate a casa do Rodrigo pois ele iria me trazer ate esse apartamento onde estou. Diante de tantas mulheres bonitas que via na rua, cutucuo-me uma certa melancolia feito botão de flor, pronta pra desabrochar, e me lembrei daquele poema de Baudelaire “A uma passante”, onde ele vê uma linda mulher na multidão, encanta-se por sua beleza, seus olhos, suas pernas, seus movimentos e, quando ela some entre os pedestres, ele conclui:
“Um relâmpago e após a noite! — Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
So te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado — e o sabias demais!”
Como todo ideal, o ideal romântico se destrói se confrontado com a realidade, portanto, se o velho Baudelaire tivesse a oportunidade de casar-se com sua musa da rua, se juntos tivessem filhos, se um dia ele a olhasse e visse em sua frente uma mulher gasta pela maternidade, rodeada de crianças com nariz escorrendo e ela, ali, com o avental todo sujo de ovo, o que ele então ele escreveria? E ela? O que pensaria daquele homem que antes parecia tão brilhante e galanteador e agora cheirava a vinho barato e hash, embriagado, com a língua enrolada, sujo de lama e torto, se apoiando nas paredes?
Na noite anterior, no fim da festa, uma belíssima morena de olhos claros se aproximou com a segunda cantada mais manjada para seduzir um DJ: “vamos para minha casa, me ensine a mixar.”
(A primeira eh “vamos ouvir esses discos lah em casa”. Mas eu não uso discos, portanto essa cantada foi tirada definitivamente da minha vida e, talvez possa ser substituída por “vamos ouvir esses MP3s la em casa?” – coisa que não soa bem.)
Disse – e não menti - que estava cansado e queria ir para o hotel. Diante dessa reação, incomum para um moca bonita e desejada pela a maioria dos homens, veio a fúria seguida de um tom de voz mais alto e a ameaça tola de que se não fosse naquele momento, não seria nunca mais. Então saiu pisando forte, furando o chão com os calcanhares.
Aqui, uma confissão extraordinária: em dez anos de carreira profissional – e mais dez como DJ amador – nunca fiquei com nenhuma fan (embora tenha feita algumas estripulias com algumas delas), ou se fiquei, simplesmente não lembro, o que torna tudo irrelevante. Assim como Groucho Max não entraria num clube que o aceitasse como sócio, consequentemente não posso levar a serio gente que me ache brilhante, genial e bla, bla, bla... ou seria esse pensamento muito pouco generoso e totalmente egocêntrico?
Hoje, um sábado, acordei imerso em tédio, preguiça ate para sair e comer alguma coisa... mas a fome nos move e la vou, carregando esse corpo cansado pelas ruas pacatas de Arhus. No calçadão do centro da cidade uma bela exposição de fotos em preto e branco de pessoas bem comuns mas com o poder da lente, sob o olhar do fotografo, algo as torna estranho, poderiam ser portraits de ouro planeta com todas aquelas manchas na pele e rugas destacadas pelo contraste fortíssimo. E la estão aquelas estranhas criaturas, observando o cotidiano dos pedestres com seus cachorros, enfiadas em roupas colantes de corrida, casacos escuros, cabelos loiros.
Tento comprar algo para mim, um chapéu, um gadget qua;quer, uma roupa... mas ate para fazer compras eh preciso inspiração e estou vazio. Tudo o que queria era estar sentado num café com um amigo, rindo por besteira, observando a vida dos outros com malicia.
Volto para casa carregado de frutas, salada, vinho e camarão. Preparo algo para comer e lembro da historia de Nana. Quando ele foi morar em nova iorque não sabia falar inglês e tinha poucos amigos, então, eventualmente fazia um bom jantar, punha um vinho no centro da mesa, dois pratos e duas tacas. Deixava tudo pronto para duas pessoas mas comia sozinho, falava sozinho, como se estivesse recebendo alguem. Ha algo de belo e de melancólico nisso que nunca consegui esquecer.
Fiz uma salada, fui para a varanda e como lentamente olhando o oceano, esperando por Icaros em queda, um desastre maritmo ou simplesmente o canto das sereias.
2 Comments:
Ai, ai (suspiros)... E mais não digo.
"não posso levar a serio gente que me ache brilhante, genial" pouco generoso consigo mesmo sim, e ainda digo mais. isso é boicote! ;)
Olha que tenho meu charme, mas nunca recebi, em 21 anos como DJ profissional, nem a cantada no. 1 nem a no. 2! É dificil mulheres diretas assim, a mais direta foi "gostei de voce, posso te dar um beijo?", que rolou uma vez só, e, como a menina era uma gracinha e NÃO ATRAPALHAVA EM NADA MEU TRABALHO NO MOMENTO (hehe), consenti. Mas isso foi só uma vez. Geralmente as mulheres se aproximam DURANTE o meu set, e com alguma desculpa esfarrapada, tipo pedir uma musica (da pra sentir as que pedem só pra se aproximar, acho), e como geralmente mandam mal no pretexto (pedem algo nada a ver com o que tou tocando), corto logo. Realmente mulher que nao entende o que eu tou fazendo mostra que ela 1 - deu em cima de mim pelo status momentaneo que o DJ tem e 2 - é sem noçao de estar tentando desconcentrar um profissional do seu trabalho. Dependendo do pedido, da pra dizer mais, se ela é pretensiosa, mandona ou tem pessimo gosto musical.. rsrs
belo blogue, meu camarada!
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