domingo, maio 21, 2006

Um encontro com Mia Couto

Um dos lugares mais interessante do mundo para testar o tamanho da resistência dos nossos estômagos é Portugal. A comida, proporcionalmente deliciosa ao seus efeitos nefastos, é baseada em sangue, tripas, orelhas e partes menos nobres dos animais. Ha algo de medieval na culinária popular portuguesa, lembrança de eras de extrema dificuldade, compensado agora por uma incrível fartura. Come-se e bebe-se bem nesta terra. Mas é preciso muita saúde!

Entre um gole de vinho do porto e uma ginja, entre uma bagaceira – aguardente feita com o bagaço da uva – e uma alheira - lingüiça de pão inventada pelos judeus – sentia-me um Dom João decadente e empanturrado - mesmo com uma mala cheia de livros, DVDs e discos – faltava-me outra fonte de alimento, uma luz, um brilho especial para aqueles três longos dias parados depois de um show na Casa da Musica. Uma rápida olhada no jornal e acho algo para exercitar o espírito: o escritor moçambicano Mia Couto estaria presente na Universidade do Porto para uma palestra. Fa que sou de suas tortuosas narrativas, de sua escrita poética privilegiada, não poderia perder essa.

Meu escritor africano favorito acaba de lançar mais um livro, “O Outro Pé da Sereia” e mais uma vez seus personagens atormentados se vêem em viagens numa frustrante busca da identidade. E é sobre esse tema que ele inicia sua palestra. “ não existe uma identidade, somos varias identidades em um so corpo”, sentencia, pra completar “ a busca em si representa o achado, a viagem é o fim e não um meio de chegarmos a uma resposta pragmatica”.

Ele mesmo, um caso curioso: branco e sem raízes além do fato de ter nascido e crescido numa grande metrópole africana – Maputo, capital de Moçambique – tem confundido críticos desatentos que esperavam um negro originário de alguma tribo “pura”. “A nossa essência é feita de contradição”, diz ele enquanto este colunista, deliciado, toma para si tal afirmação.

Monoculturais

A coluna passada gerou um bombardeio de emails na minha caixa postal. Talvez por conter um comentário critico ao intocável Ariano Suassuna, o ultimo bastiao de uma suposta pureza elitista e conservadora, símbolo vivo do que ha de pior no passado – e no presente - do estado de Pernambuco. Esse tipo de construção da identidade nordestina ainda esperneia - e fácil ser conservador! – alimentado por intelectuais incautos, em busca de tabuas de pensamento unânimes.

Enquanto os Mias, os Guimaraes, ou mesmo os Joyces vêem na língua uma grande obra coletiva que se recria, sem donos, sem certos ou errados, de natureza mutante, culturalmente permissiva feito quenga bondosa que oferece suas tetas para qualquer falante, temos do outro lado os latifundiários culturais que gostariam de mandar no saber coletivo como se este lhe pertencesse, nostálgicos da monocultura, acham que o mundo e uma enorme plantação de cana cercado por cabras de olhares mortos pastando entediadas.

Em que prateleira?

Inclassificável – o que é um elogio –, underground e muito interessante é o disco do inglês Capitol K, “Nomad Junk”. Seu nome de batismo é Kristian Craig e ele é responsável pela parte eletrônica da banda que acompanha minha colega de selo europeu, Cibelle.

Sua técnica – ele usa ditafones em alguns momentos – remete ao trabalho do experimentador profissional Holger Czukay, ex-Can. Produto da era do laptop, cada faixa tem inúmeras referencias, muita sujeira, pouca linearidade e me deixou desnorteado.

Será que da pra baixar da rede?

Tango

Quem esta lançando novo disco é o trio franco-argentino Gotan Project.

Mais cool e fortemente acústico, o disco parece afirmar o amadurecimento do conceito de tangos e milongas contemporâneos.

Como no anterior, uma versão para um tema de cinema. Se antes era para a faixa de abertura de “O ultimo tango em Paris”, dessa vez eles fizeram uma menos obvia e tristissima releitura de “Paris, Texas”, de Ry Cooder.

2 Comments:

Blogger Liliane Ferrari said...

bárbaro teu blog! virei leitora!

5:33 PM  
Blogger Chinaski Poupador said...

quem quiser saborear uma Alheira em Recife, disseram-me que é vendida na Casa dos Frios....
a conferir...

11:23 PM  

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