quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Meu Carnaval

Morei em Aracajú, capital de Sergipe, até os 18 anos e durante esse tempo todo o carnaval pra mim se resumia ao desfile de escolas de samba mixurucas e bêbados desorientados na Barão de Maruim. Íamos – toda a família – observar aquelas fantasias tão simplórias e desprovidas de glamour que faziam o evento se assemelhar a um desfile de sete de setembro – caso os militares tivessem senso de humor – que acontecia anualmente na mesma avenida.
O primeiro carnaval em Recife me meteu medo. Meus olhos de roqueiro provinciano – esses tipos são realmente radicais – enxergavam uma tragédia humana naquela loucura – por que não repetir o clichê? – contagiante! A idiotia voluntária tomava conta de todos – quem jogou cogumelos alucinógenos no reservatório de água? – e foliões ensandecidos se jogavam na lama da ansiedade, secos por diversão. Demorei e fugi sempre que pude desse tsunami durante anos até que fui obrigado a encará-lo quando apareceu o primeiro convite para tocar no carnaval. Foi um batismo duplo: no palco com a banda e na tenda eletrônica, solitário DJ deslocado em terreno de êxtase hedonista.
E não é que passei a olhar o carnaval de modo diferente? De lá de cima do palco dá gosto de ver o povo metamorfoseado em bichos saltitantes, uma massa corpórea desprovida de individualismos, todos juntos reunidos numa pessoa só.
Imagine isso no tempo em que o frevo, essa música peculiar à cidade, existia a ponto de gerar disputas acirradas em busca de destaque nos carnavais recifenses... Nas calçadas da Dantas Barreto, num beco sujo paralelo à Concórdia, naquele primeiro andar de um prédio escondido na Manoel Borba encontra-se um pouco do que restou de uma era capitaneada por selos que costumavam lançar suas apostas para cada ano em compactos de 7 polegadas. Músicas exalando o frescor de uma era dourada que sumiu na fumaça do tempo. Através desses disquinhos podemos comprovar as mudanças do estilo em termos de composição e técnica.

7 polegadas de música

Discos de 7 polegadas são aqueles pequeninos também conhecidos como compactos. Na antiga época dos vinis eles serviam para lançar e testar uma faixa de trabalho, ou seja, a que “estouraria”. Fazer um disco era muito caro, tinha-se então que pisar mansamente nesse chão desconhecido que é o gosto do público.
E há coisas fantásticas, deliciosas mesmo hoje em dia, se bem que esquecidas. Uma das minhas favoritas se chama Quem não bebe!... É bebido... dos Irmãos Valença onde eles destilam a seguinte resolução: Eu hei de viver bebendo com um bom copo na mão para, numa inspiração sobrenatural e assustadora concluir: Quem não bebe nesse mundo, no outro mundo será bebido. O nome do pretinho é Frevos para o carnaval de 1966.
Outro de capa linda traz dois maracatus de Capiba, de 1977, interpretados por Nadja Maria. Êh! Luanda! e Êh! Uá calunga têm arranjos bem contemporâneos, com um balanço quase funky. Bem gravado, bom pra samplear ou simplesmente saborear em audição atenciosa.
Por fim, um pedaço desconhecido do grande Nelson Ferreira está em Monólogos, composto de dois poemas de Aldemar Paiva, declamados por ele mesmo enquanto o grande maestro improvisa ao fundo com piano de modo bastante eclético. Seria impressão minha ou há ares de Satie em alguns momentos? Surpreendente são os versos de introdução de Monólogo para Papai Noel onde se ouve Não gosto de você Papai Noel, nem gosto desse seu papel de vender ilusões a burguesia.
Punk!!!!!!!!


7 toneladas de machismo

Não adianta argumentar: pode até vender e ganhar prêmios – eles adoram se autopremiar - mas a publicidade no Brasil parece ser feita por jecas! As propagandas de cerveja nessa época do ano se empenham em usar a música – pobre música – para fortalecer seus estereótipos. E tome samba, mulheres “gostosas” – loiras e magras em geral – ou eletrônica para descrever “mudernos”.
Por detrás desses filmes bem fotografados, bem iluminados, repletos de moças bonitas e atrizes globais há a mentalidade de um sujeito bronco, coçando o saco, amuado na frente da TV.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Quem critica a crítica?

Junto com os primeiros discos de punk rock – e tudo o mais que caía nas mãos, naqueles verdes anos – vieram as histórias por detrás da música. Informação que ia além das faixas e me fazia torrar meu parco dinheiro com revistas e jornais – na verdade o caderno cultural de algumas publicações. O objetivo: sentir o mundo que aquela música representava.
Quase tanto quanto os poetas e romancistas, os críticos de música me faziam sonhar. Lendo as revistas da época eu me instalava na Oxford Street, em Londres, e me imaginava atirando pedras na polícia, me sentia parte das orgias de sexo e drogas – inventadas, diga-se de passagem – pelo maluco Ezequiel Neves ou me indignava com o conservadorismo americano como Ana Maria Bahiana fez numa memorável resenha para The Bells, de Lou Reed.
O tempo passou e conheci Bia Abramo, colaboradora da Bizz e Folha de São Paulo no auge das minhas descobertas adolescentes. Logo depois dos cumprimentos de praxe, disparei: você sabia que grande parte da minha coleção de discos foi influenciada por sua opinião? Ela ficou séria e respondeu que já havia pensado sobre isso, sobre a responsabilidade que se tem ao opinar sobre um livro ou um disco.
Fui educado por alguns bons jornalistas imersos na cultura de massa. Não quero parecer nostálgico - apenas tratava-se de uma boa safra – mas quando leio alguns artigos nos cadernos de cultura penso no estrago que um texto, do alto de sua arrogância – todo ignorante tem certeza que é um sábio – pode fazer numa cena.
A lei obriga os jornalistas a terem diploma. O que é um diploma? Um pedaço de papel que diz que você teve paciência - ou astúcia para driblar os professores – e concluiu seu curso. Você sabe escrever uma sentença mas de onde vem sua opinião? Viajou? Gastou horas se informando? Acompanha a obra do autor? Conhece a origem daquela música? Tem parâmetros comparativos para julgar o objeto de crítica?
Tantas vezes percebemos que é puro “achismo”, o pão com manteiga do lar que se leva até a redação.

Caso 1

Não deveria acontecer mas acontece com muita freqüência. O jornalista vem me entrevistar e não sabe absolutamente nada sobre o meu trabalho. É incapaz de me questionar e se torna um mero porta-voz das besteiras que esse DJ é capaz de falar.
Há dois dias atrás uma moça irritou-se porque sugeri que ela desse uma olhada no Google antes de prosseguirmos, visto estava que ela não sabia nada a respeito de música eletrônica. Indignada ela retrucou: “sou jornalista e não preciso conhecer o assunto pra escrever sobre ele.”

Caso 2

Esse colunista recebe inúmeras notas – muitas vezes em tom opinativo – de assessorias de imprensa. As relações entre as assessorias e os jornalistas são tão viciadas que as notas já vêm prontinhas para serem publicadas! Bom para quem está na redação, são algumas linhas a menos para se dar ao trabalho de pensar; bom para quem envia pois está lá sua publicidade com o aval do jornal.
Ruim mesmo é para nós, leitores que gostamos de opinião.

O resultado ...

Uma das mais originais atrações que poderíamos ter nesse carnaval seria uma autêntica aparelhagem de Belém do Pará, cedida sem custos ao Recife ou Olinda. Um muro de som à disposição dos organizadores do Rec Beat com intuito de promover a cultura musical de Belém e interagir com os DJs locais.
Não rolou pois as autoridades da área de cultura – tanto de Recife quanto de Olinda – não cederam terreno para a montagem do equipamento, influenciadas pela imagem que a imprensa (TV, rádio, publicações ...) faz das pacatas e divertidas aparelhagens.
Ruim para nós, que gostamos de diversão.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Eu só quero é ser feliz

Em artigo da sexta-feira passada nesse Diário sobre o recente disco do DJ Marlboro, maior fenômeno comercial dos bailes funk, o autor se confunde ao usar o termo “batidão” quando seria “pancadão”, chama de neopopulistas os simpatizantes do baile funk e generaliza sua opinião a partir do trabalho de apenas um entre tantos outros produtores do gênero.

As letras são “indigentes”, diz o texto. Ora, meus amigos, estamos falando de cultura pop, essa coisa complexa que é o que não parece ser, camaleônica e cínica em suas intenções. Se fôssemos julgar “indigência” nas letras não seríamos fãs dos Ramones – “now i wanna sniff some glue, now i wanna have somethin’ to do” é repetido ad infinitum em uma de suas faixas –, nem do reggae com suas babilônias, baseados e jahs – mesmo Bob Marley não foge aos clichês –, ou o samba com seu “pato cantando alegremente” e a “chupeta pro neném não chorar”. Tudo deve ser julgado dentro de um contexto sob pena de se ter um valor absoluto e autoritário.

A gente discute o gosto dos outros o tempo inteiro pois lá se encontra o exato reflexo dos valores da vida da gente. Tudo aquilo que dá prazer a um povo é um poderoso catalisador social e daí o medo em relação ao gosto da plebe – rude? Um baile cheio, com milhares – sim, senhoras e senhores, eu disse milhares – de pessoas se esbaldando na pista é uma beleza, uma voz que a “sapiência” da imprensa e as artimanhas das gravadoras não conseguem calar.

Para terminar, cito Mr. Catra que, em uma de suas letras, diagnostica a doença: “o movimento é político-social” para logo em seguida propor a cura, “vamos traficar cultura?”

A Cantora

Está confirmado: Camille, musa francesa, vocalista do Nouvelle Vague e autora de um dos discos mais bacanas do ano passado vai estar presente no Abril Pro Rock. Esse é o primeiro de uma série de nomes internacionais que o produtor Paulo André Pires fecha para a edição desse ano do festival.

Responsável por criar pontes de ida do Recife para o exterior, Paulo André agora tenta fazer o caminho inverso para trazer um pouco desse mundo vasto mundo para nossa cidade. E o Porto Musical, que começa em alguns dias, já é um bem sucedido resultado desse trabalho.

As Bandas

Das centenas de gravações de bandas que chegam às mãos de Paulo André para a seleção no Abril Pro Rock, a maioria esmagadora é de pop rock da década de 80. O modelo? Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Ultrage a Rigor... Outra leva importante é de bandas que tem som “mangue”, leia-se clones mal feitos da Nação Zumbi com tambores e riffs à la Lúcio Maia.

Uma parte parou há 20 anos, outra está na década de 90....

Quando chegarão ao século 21, niguém sabe.

O Herege

Um policial casto/católico numa ilha pagã nos cafundós da Escócia em busca de uma menina desaparecida é o mote para “O Homem de Palha” (The Wicker Man), dirigido por Robin Hardy, em 1973. Bizarro e fascinante, o filme traz um Cristopher Lee de cabelo pintado de acaju – horrível! - ao som de folk psicodélico escocês.

O melhor é que foi lançado numa dessas séries que chega às bancas de revista bem baratinho: dez realezas!!! Hollywood se empenha numa nova versão, mas duvido que seja tão bacana quanto a original.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

O Intepro

Encontrei o Intelectual de Província num bar sufocante, mesmo que aberto fosse para o céu estrelado daquela pequena cidade nordestina. Ele é um performer!! Gesticula e fala pelos cotovelos, despejando toda sua sabedoria nos pobres ouvintes emudecidos diante de tanta erudição. Sim, porque o Intelectual de Província sabe tudo sobre todas as coisas já feitas no planeta Terra, por mãos humanas ou divinas, desde detalhes da corte de Idi Amim Dada ao colosso de Rhodes. Nada escapa às leituras dessa sumidade.

Com a certeza de leitor dedicado, ele descreve as montanhas da lua e a temperatura do Sudão carregando no sotaque, pois o Intepro (assim o chamaremos dada a nossa intimidade) é acima de tudo um nacionalista, patriota e cidadão atuante de sua vila.

Na banda maranhense Tribo de Jah quem tem um olho é cantor. Em seu ambiente dominado pelo mormaço esse ser humano é tido como “um crânio”, uma sabedoria sem igual, quiçá o “Rui Barbosa dos nossos tempos”, e, portanto, exerce o cargo de professor. Talvez porque nunca passou pela cabeça de seus pares que informação sem reflexão serve apenas a almanaques de curiosidade e memória acentuada não significa inteligência.

O Intepro é, no fundo, um tolo, palhaço involuntário de mesas de bares. Ele não percebeu que a experiência é algo insubstituível e sem ela a história da humanidade se torna um conto de fadas esvaziado por falta de diálogo com o presente. Seu pensamento positivista faz-lhe crer que, sim, a sociedade sabe para onde está indo, e sua fé na ciência lhe dá a certeza de que os anabolizados frangos de granja são saudáveis e comida orgânica é “uma invenção para ganhar dinheiro”.

O que nosso amigo tem a dizer sobre música? “A originalidade da música acabou com Debussy” (embora alguns dos seus amigos digam que foi com os Beatles). Justamente numa era em que samples e laptops reciclam velhas gravações para pavimentar os caminhos de uma música futura.

Impulsivas

Foi lançado no fim do ano passado nos Estados Unidos e agora em fevereiro chega no Brasil a série de remixes exclusivos para faixas do lendário selo Impulse, que tem em seu catálogo alguns dos mais expressivos nomes do jazz. No cardápio RZA, ex-Wu Tang Clang, revê II B.S. de Charles Mingus; Gerardo Frissina reconstrói Swing Low Cadillac, de Dizzie Gillespie, e este que vos escreve apimentou o Spanish Rice, de Chico O’Farrill. Ainda tem Prefuse 73, Kid Koala (estranhíssimo) e Chief Xciell (Blackalicious) entre outros. Nome do projeto: Impulsive!

Psicodélicas

Sensacional, bom até dar uma dor, são os volumes da série World Psychedelic Classics, do selo Luaka Bop. No primeiro volume, nossos conhecidos, Os Mutantes, em compilação decente e roqueira, mas o bacana mesmo vem com o segundo volume focado na figura do bluesman Shuggie Otis brincando de fazer soul psicodélico. O resultado é singelo, fino e super cool. Bom para ouvir, funcional para agradar as moças. O mais recente, Love’s a Real Thing, trata de bandas do oeste africano, deliciosamente funkeadas e algumas vezes suaves como o vento que sopra nas folhas da savana.

Eletrônicas

Geração Eletrônica é o título do livro lançado durante a série de eventos patrocinada pelo Centro Cultural Telemar, no Rio de Janeiro. Bom para os olhos e para a cabeça, tem textos de Camilo Rocha, Tom Leão, Dudu Marote, Carlos Albuquerque ... Visões de dentro para fora do mundo da eletrônica. Minha contribuição é um texto sobre a cena no nordeste. Mais informações no site www.geracaoeletronica.com.br