Morei em Aracajú, capital de Sergipe, até os 18 anos e durante esse tempo todo o carnaval pra mim se resumia ao desfile de escolas de samba mixurucas e bêbados desorientados na Barão de Maruim. Íamos – toda a família – observar aquelas fantasias tão simplórias e desprovidas de glamour que faziam o evento se assemelhar a um desfile de sete de setembro – caso os militares tivessem senso de humor – que acontecia anualmente na mesma avenida.
O primeiro carnaval em Recife me meteu medo. Meus olhos de roqueiro provinciano – esses tipos são realmente radicais – enxergavam uma tragédia humana naquela loucura – por que não repetir o clichê? – contagiante! A idiotia voluntária tomava conta de todos – quem jogou cogumelos alucinógenos no reservatório de água? – e foliões ensandecidos se jogavam na lama da ansiedade, secos por diversão. Demorei e fugi sempre que pude desse tsunami durante anos até que fui obrigado a encará-lo quando apareceu o primeiro convite para tocar no carnaval. Foi um batismo duplo: no palco com a banda e na tenda eletrônica, solitário DJ deslocado em terreno de êxtase hedonista.
E não é que passei a olhar o carnaval de modo diferente? De lá de cima do palco dá gosto de ver o povo metamorfoseado em bichos saltitantes, uma massa corpórea desprovida de individualismos, todos juntos reunidos numa pessoa só.
Imagine isso no tempo em que o frevo, essa música peculiar à cidade, existia a ponto de gerar disputas acirradas em busca de destaque nos carnavais recifenses... Nas calçadas da Dantas Barreto, num beco sujo paralelo à Concórdia, naquele primeiro andar de um prédio escondido na Manoel Borba encontra-se um pouco do que restou de uma era capitaneada por selos que costumavam lançar suas apostas para cada ano em compactos de 7 polegadas. Músicas exalando o frescor de uma era dourada que sumiu na fumaça do tempo. Através desses disquinhos podemos comprovar as mudanças do estilo em termos de composição e técnica.
7 polegadas de música
Discos de 7 polegadas são aqueles pequeninos também conhecidos como compactos. Na antiga época dos vinis eles serviam para lançar e testar uma faixa de trabalho, ou seja, a que “estouraria”. Fazer um disco era muito caro, tinha-se então que pisar mansamente nesse chão desconhecido que é o gosto do público.
E há coisas fantásticas, deliciosas mesmo hoje em dia, se bem que esquecidas. Uma das minhas favoritas se chama Quem não bebe!... É bebido... dos Irmãos Valença onde eles destilam a seguinte resolução: Eu hei de viver bebendo com um bom copo na mão para, numa inspiração sobrenatural e assustadora concluir: Quem não bebe nesse mundo, no outro mundo será bebido. O nome do pretinho é Frevos para o carnaval de 1966.
Outro de capa linda traz dois maracatus de Capiba, de 1977, interpretados por Nadja Maria. Êh! Luanda! e Êh! Uá calunga têm arranjos bem contemporâneos, com um balanço quase funky. Bem gravado, bom pra samplear ou simplesmente saborear em audição atenciosa.
Por fim, um pedaço desconhecido do grande Nelson Ferreira está em Monólogos, composto de dois poemas de Aldemar Paiva, declamados por ele mesmo enquanto o grande maestro improvisa ao fundo com piano de modo bastante eclético. Seria impressão minha ou há ares de Satie em alguns momentos? Surpreendente são os versos de introdução de Monólogo para Papai Noel onde se ouve Não gosto de você Papai Noel, nem gosto desse seu papel de vender ilusões a burguesia.
Punk!!!!!!!!
7 toneladas de machismo
Não adianta argumentar: pode até vender e ganhar prêmios – eles adoram se autopremiar - mas a publicidade no Brasil parece ser feita por jecas! As propagandas de cerveja nessa época do ano se empenham em usar a música – pobre música – para fortalecer seus estereótipos. E tome samba, mulheres “gostosas” – loiras e magras em geral – ou eletrônica para descrever “mudernos”.
Por detrás desses filmes bem fotografados, bem iluminados, repletos de moças bonitas e atrizes globais há a mentalidade de um sujeito bronco, coçando o saco, amuado na frente da TV.