Cantei, cantei ...
Descobri o amor e John Coltrane ao mesmo tempo. Numa época em que não havia CDs ganhei um vinil de capa azulada que ouvi exaustivamente não só naquele dia mas durante os anos seguintes e ainda hoje me acompanha, mesmo que aqueles olhos castanhos já não estejam tão perto.
“Música é seu único amigo até o fim”, dizia uma velha canção dos Dorrs ...
No excelente documentário Ônibus 174 que narra aquele aterrorizante episódio do seqüestro de um ônibus por um ex-menino de rua, uma das vítimas conta que ele, cercado pela polícia, acuado por câmeras, cantava “canções demoníacas”. Seu último consolo, suas últimas palavras. Cantar é provar pra si próprio que ainda existe vida, que há o querer e a vontade de se expressar.
Berramos um tema antigo no banheiro, choramos amores perdidos em canções de gosto duvidoso (amor com senso de ridículo não é amor), assobiamos nas ruas e cantamos desafinado para quem amamos, pois não há maior prova de um genuíno sentimento que perder a vergonha e, em troca, ser saudado com a emoção do seu par. Canta-se na guerra. Sim, os soldados cantam juntos para suportar e ritmar os exercícios físicos enquanto na cidade sitiada canta-se e bebe-se para não pensar sobre aquele que pode ser o primeiro dia do resto de suas vidas.
Ainda sei cantar as singelas melodias que minha mãe sussurrava no meu ouvido de bebê e quando ouvi a “Eguinha Pocotó” pela primeira vez achei que o MC Serginho tinha feito uma canção de ninar muito melhor que Boi-da-cara-prêta que me metia medo naquelas noites à beira do São Francisco.
Dizem que certa vez o compositor John Cage se submeteu a uma experiência numa câmera de absoluto silêncio e ainda assim ele ouviu um som ritmado e grave que mais tarde foi detectado como o ruído do sangue circulando em seu corpo pois o fluxo da vida não é silencioso e tem beat.
Mas há uma forma de silêncio maior: a falta de algo que nem sempre sabemos o que é. Nesse caso, ouvimos uma bela e triste canção no vazio das idéias, dessas que só a gente ouve para preencher um buraco tão profundo.
Qual é a sua?
E você, que lê essa coluna? O que você gosta de cantar?
(Eu confesso que tenho cantado um hit velho dos Strokes, sem contar com aquela de Marcio Greick que diz “eu já não consigo mais viver dentro de mim”)
Mande email pra mim e vamos descobrir qual a nossa música favorita, dessas que a gente canta pra mandar a tristeza embora.
Escreva para dj.dolores@gmail.com
Tristeza não tem fim
Hoje, esse rapaz está só melancólia. Se posso sugeri uma trilha sonora pra acompanhar a leitura, recomendo Cat Power que é meio pra baixo até quando está alegre. Free, do seu último disco, You are free, é minha recomendação. Diple fechou seu set no Rio com essa faixa. Deixou tocar inteira!! O bonde dos sorumbáticos segue com Smog, ex da moça e da fossa como ela. Beleza e desilusão.
DJ/Rupture
OK, o cara é tão gente boa, tão gentil que nem precisava ser um bom DJ. Mas ele é! Rupture AKA Jace Clayton, meu parceiro de Vegas e BH, fez um disco excelente chamado Special Gunpowder. O danado é importado da Europa então deve sair meio caro pra comprar. Procure na web. Ele é simpatizante do compartilhamento de música e não vai se importar. Dá pra baixar também vários DJs set mas bacana mesmo é ouvir seu trabalho autoral que tem reggae, ragga, experimentalismo eletrônico e, delícia das delícias, músicas em espanhol pois o cara, apesar de americano, mora na Espanha.