sexta-feira, novembro 25, 2005

Medo do novo

Todo paulistano gosta de pensar que sua cidade é uma Nova Iorque da América Latina, mal sabem eles que São Paulo está muito mais pra Cidade do México. A fealdade que domina a paisagem urbana, emoldurada por nuvens cinzas no céu enquanto uma horda de miseráveis se arrasta por calçadas obstruídas por toda a sorte de tranqueira é comum em ambas as cidades. Outra coisa as iguala: o rock.
Escrevo daqui, de SP, onde só se fala da presença de Iggy Pop, aquele roqueiro sexagenário que não grava nada que preste há muitos anos e veste seu personagem de modo tão ridículo que , apenas a essa altura da vida, finalmente faz jus ao nome de sua banda original: The Stooges (Os Patetas).
Autor de algumas das melhores canções da música pop, intérprete único durante décadas, o velho Iggy hoje é apenas um senhor com muito passado e pouco futuro. Seus fãs querem vê-lo no palco, visceral e previsível, arrastando-se pelo chão em espasmos de emoção tão fingidos quantos alguns orgasmos femininos. Rock é isso, teatro de segunda categoria, diversão segura para trintões saudosos e jovens mitificadores. Tô exagerando? Quem aqui teve paciência de ouvir esse CD novo do coroa? Eu parei na segunda faixa.
Paralelamente ao evento “Iggy”, temos uma trupe solenemente ignorada pela mídia e público locais. Trata-se da galera do Mutek, festival canadense que desde 2000 tem aberto caminhos na densa floresta da música eletrônica. De caráter inovador, o festival privilegia performances ao vivo a DJ Sets e lança tendências que só serão absorvidas alguns anos além. Misturando imagens e música, re-conceitualizando a idéia de espetáculo, os caras se apresentaram na quarta para um público escasso no Sesc Santana. O novo mete medo, então é melhor partir pra o que já se conhece, mesmo que mofado.

Ainda Mutek

Hoje e amanhã tem mais Mutek em Belo Horizonte. Entre outras atrações a presença do projeto audiovisual Monolake AKA Robert Henke, o cara por detrás do software mais influente da atualidade, o Ableton Live. Meninos, anotem aí: num futuro muito breve fazer música e desenvolver software vai ser a mesma coisa.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Poeta de latrina

“Triste vida, triste sina, do poeta de latrina”, estava escrito na porta do banheiro público. Posso imaginar o poeta anônimo remoendo sua mágoa naquela posição que nos torna, ricos e pobres, iguais.

Ah, os artistas! Todo mundo quer se expressar e ser reconhecido como indivíduo de destaque no meio do gado que atravessa a faixa de pedestre nos sinais das avenidas. Alguns trazem flores e outros, espinhos. Uns cantam e outros dançam. Alguns são institucionais, alguns, marginais.

Outro dia, um artista de Olinda, num debate sério com profissionais da música, bradava, dedo em riste: “Eu odeio o mainstream, eu não quero ser mainstream”. Para quem não é familiar, o termo mainstream designa a cultura dominante, comercialmente bem sucedida. É o oposto do underground, da cena que não lucra tanto e, às vezes, se diverte mais.

O problema é que na maioria das vezes o artista underground só é underground por que ninguém, exceto ele mesmo e seus dois ou três amigos, o vêem com relevância artística. No íntimo seu sonho é passear pela cidade montado no elefante da glória e do triunfo, paparicado por um harém de belas donzelas, o bolso cheio de dinheiro, fruto justo de sua arte.

Desdenhar o bem-sucedido soa como a fábula da raposa e das uvas. Como a raposa não conseguia apanhar um cacho de uvas, dizia que estavam verdes e não prestavam para comer.

Opor sucesso comercial e valor artístico é um erro gravíssimo, obscurantista. Música, como qualquer forma de arte, é expressão séria de humanidade mas também é um produto. Saber vendê-lo e manter-se íntegro é para poucos. O que sobra são os poetas de latrina.

Você, de revólver na mão, vira bicho feroz ...

A festa Liquid Sky, realizada no último sábado teve alguns problemas: line up mal montado que não sustentou público no palco dois, a mistura com a tribo do trance que não se mistura com mais nada, o horário e o local no centro da cidade não favorecia uma boa vibe. Sério mesmo foi a arbitrariedade da polícia civil que se infiltrou na festa vestidos de clubbers (uh!! dá pra imaginar?) e arrastou algumas pessoas para a delegacia. Entre eles uma figura folclórica da cidade que apanhou de graça e no local da festa apenas por causa de seu visual rasta. Ele nada tinha consigo. Violência e covardia absolutamente desnecessárias pois trata-se de um das mais pacatas criaturas que freqüentam a noite recifense.

Crazy

Escrevo essa coluna enquanto escuto um DJ set muiiitoooo maluco do DJ Enrico, de São Paulo. Hardcore com pitch no talo e mixagem esquizofrênica. Tás tranqüilo em casa e quer ficar nervoso?

Então acesse http://www.rraurl.com e digite Enrico no espaço de busca.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Me dá um dinheiro aí

Noite de sábado na Torre Malakoff. A brisa marítima suavemente esconde que é verão no Recife e o público aguarda com paciência o atraso do show que já vai em algumas horas. Um homenzinho se aproxima, pasta em punho, olhar matreiro de bicho noturno. Ele parece deslocado mas já é conhecido dos organizadores, dos funcionários da Torre e mesmo dos seguranças que não se opõem a sua invasão à área reservada.

Descubro que o cara é representante do ECAD, aquele órgão que é responsável pela arrecadação de direitos autorais. Sua função seria descobrir o que o DJ estava tocando, cobrar da organização um valor estipulado por lei e dividir entre os autores aqueles caraminguás. O homenzinho olha pro DJ, seu cenho franzido demonstra que ele nunca ouviu falar de Jay Z, o som que rolava na hora. Me pergunto e, na seqüência pergunto para ele, como Jay Z vai receber aqueles centavos. Resposta: “Não sei, só faço o que me mandam fazer”, diz, piscando os olhos de coelho, com sua pastinha embaixo do braço.

Vejo que na pasta tem um monte de documentos timbrados, papeis oficiais que o autoriza a fiscalizar, cobrar e até mesmo acabar com a festa alheia. Alem do DJ set também vou tocar com meu grupo. Explico para ele que todos os temas que são de autoria nossa e que abriríamos mão da arrecadação pela insignificância financeira do evento. Mas não tem jeito.

As leis que regem a arrecadação de direitos autorais no Brasil partem do princípio que o artista é um predador ávido por dinheiro. O Ecad tenta, e muitas vezes consegue, extorquir dinheiro até de sala de espera de dentista. O mais interessante é que essa grana não chega ao autor. Como chegaria se eles mesmos não sabem o que está tocando?

Dito tudo isso só me resta finalizar a história: o cara pediu cento e cinquenta reais para a organização. Levou cem. Saiu no lucro.

sábado, novembro 05, 2005

B. Leza

Estou em Lisboa e aproveito para me atualizar sobre a cidade através dos jornais. O escândalo do dia foi um assalto a mão armada realizado por um encapuzado num semáforo. Isso se tornou corriqueiro no Brasil ha tanto tempo que a gente nem se surpreende mais .... perdemos a noção da gravidade do fato.
Outra noticia me chama atenção: o B. Leza, um dos meus clubes favoritos na cidade, foi fechado essa semana por excesso de dividas com o proprietário, a companhia de luz e impostos gerais. Lamento do fundo do coração. O clube era o principal ponto de encontro da cultura caboverdiana, tinha uma biblioteca e era aberto a varias formas de expressão, tendo a musica como tronco. Por la passaram estrelas da musica africana como Cesaria Évora, Os Tubaroes e Tito Paris.
Conheci o B. Leza em 2003 onde eu era o único branco do local numa festa de funanas e coladêras, ritmos populares do Cabo Verde. Situada no Largo Conde do Barão, cheguei la orientado pelo negros, a maioria imigrantes, que encontrava na rua. De pergunta em pergunta também cheguei ao Kuduro, estilo de dance music de Angola, muito popular entre os africanos que a cada dia ganha mais espaço entre os jovens de classe media branca tal e qual o nosso funk carioca.
Em Lisboa a presença africana faz-se sentir de forma poderosa. Trata-se do troco dado pelo colonizado ao colonizador. E impossível sair impune numa relação assim e do mesmo jeito que o português mexeu nas culturas africanas, os africanos impõe seus estilos de vida através da comida, na fala, nos hábitos e, principalmente na musica.
O mais engraçado é a vingança brasileira: um dos caras que ajudou a popularizar o hip hop no pais, cantando em português foi Gabriel, o Pensador. Nem mesmo o mais cruel colono merecia isso ...

Ripar

MIA

Aproveito para ir na Bertrand, tradicional livraria secular localizada no Chiado e saio carregado de quadrinhos (por aqui, banda desenhada) e livros de Mia Couto, escritor moçambicano de primeira grandeza.
Altamente recomendável, “Terra Sonâmbula” é seu romance de estréia é desde sempre um clássico da língua portuguesa.