Diario da Dinamarca #9
São sete da manha e o gari varre diligentemente a rua, tirando pontas de cigarro de frestas das pedras na calcada. Um veiculo com grossas escovas giratórias limpa o asfalto, levantando uma poeira leve. Ele vai de um lado ao outro, cruzando com os moradores apressados em cima de suas bicicletas. Em contraste, o gato preto e parrudo que circula na região esta deitado na grama, barriga para cima e, provavelmente – assim gosto de imaginar -, tem um sorriso de gato na cara.
Um pai segura a mochila da filha pequena e abre a porta do seu carro, uma mulher dentro de um vestido que lhe cobre todo o corpo, usando um lenço na cabeça, caminha olhando para o chão, uma moca usando fones de ouvido cantarola em alto e bom som sem se importar com o ridículo.
Mais um dia começa em Copenhagen....
Vou na pequena cozinha e preparo meu café da manha: corto uvas, tiro-lhes o caroço, misturo com iogurte, ponho um pouco de aveia e vou comendo enquanto leio um livro. Na seqüência, café e cigarro.
As vezes faço uma salada, as vezes um sanduíche de queijo... comer eh sempre uma preocupação em viagem. Gosto de me alimentar adequadamente, variar de cardápio, evitar gordura...e, falando nisso, não sei o quanto estou pesando. Minha medida eh uma apertada bermuda que não foi feita para o meu tamanho e que carrego sempre comigo. Se eu consigo vesti-la e respirar normalmente eh porque estou bem, caso contrario, devo ter ganho alguns quilos na região do abdomen.
Não sei se engordei depois de tantas vezes ser obrigado a comer um sanduíche ou um cachorro quente na rua por pressa ou falta de opção.
A comida daqui eh uma das piores das partes do mundo que conheço: come-se frio, sem sal, pouco tempero... come-se peixe frio, cru ou defumado, adocicado, muito pão, batatas e, como eh de se esperar de um pais com baixas temperaturas, gordura em excesso.
Os moradores sentam-se em mesas nos cafés para devorarem imensos sanduíches empapados de um creme branco. Sanduíches que negam o culto ao design local por sua falta de funcionalidade: fatalmente se desmontarão, pedaços soltos desabarão sobre o chão e as roupas do faminto. Ha gente comendo na rua mas são exceções. Diferente das grandes metrópoles como Paris, Londres ou Nova Iorque – lugares onde come-se nos parques, no metro, andando apressadamente pelas calcadas -, as pessoas aqui movem-se lentamente, o que da idéia de quão provinciana eh essa cidade.
Nas grandes cidades eh possível perceber quem eh turista pela velocidade do seu passo. Os moradores estão sempre atrasados, correndo atrás da sobrevivência, lutando contra trens e ônibus que não chegam, pulando de um emprego para o outro. Em Copenhagen nada disso acontece, eh como uma vila muito prospera e super desenvolvida, mas ainda assim, um vila: os moradores se conhecem, cumprimentam-se na rua, estão dentro de círculos que envolvem famílias, colegas de escola, de trabalho, grupos solidamente construídos durante toda uma vida, dai a dificuldade deste viajante em travar amizades e penetrar através das grossas muralhas dos relacionamentos sociais.
Observo alguma moedas pois meus cigarros acabaram e terei que sair pra comprar. A moeda de maior valor eh a de vinte kronos, gordinha, com o perfil da Rainha Margarete estampada em uma das faces. Nas duas que tenho em mãos numa tem na outra face o navio MS Selandia, um marco da navegação nacional e outra, a torre do que parece pertencer ao palácio de Grasten. Segue-se a de dez, um pouco menor, com a sempre presente Rainha de um lado e do outro, uma homenagem a H.C. Andersen, originário de Alborg, mas enterrado no cemitério bem em frente de onde moro. As moedas de dois e cinco kronos tem furos no meio e deve ser esse furo que faz a diferença de peso para o reconhecimento em tantas maquinas de auto-servico que existem por aqui, de cigarros, balas, maquinas de lavar roupa, etc...
Para saber quanto vale um krono, o calculo eh fácil: divida por 30, multiplique por 4 e você terá aproximadamente o valor em euros. Pare por ai porque seria um erro continuar a conversão para reais, se assim for feito, uma dor lancinante tomara conta do seu bolso.
Uma cerveja num bar bacana custa 50 kronos, façam o calculo e entendam o que digo...
Nesta quinta-feira espero meu amigo Marcus chegar da Suíça para uma visita de 4 dias, isso significa excelente companhia para passear, filosofias de boteco, viagens no tempo e alternar niilismo com soluções definitivas para os problemas do ser humano e da civilização que esse bípede metido inventou de inventar.
Nos conhecemos ha mais de vinte anos e o que ha de bom nisso eh que nossas discussões foram se refinando a tal modo que não precisamos de muitas explicações para entendermos mutuamente nossos rodeios, metáforas ou ironias pois sabemos o que o outro esta querendo dizer mal se começa uma sentença. Uma boa conversa eh um jogo intelectual, onde não se pretende ter razão em nada, apenas desenvolve-la, deixa-la fluir, brincar com as palavras e, como no pôquer, blefar com o parceiro, engana-lo para fazer graça, sorrir das besteiras... enfim, uma boa conversação, em volta de uma mesa, com café, cerveja ou conhaque para estimular os presentes, eh uma das melhores formas de exercitar do dolce far niente.
Eu queria estar ao lado da minha estante de livros para poder citar a louca conversação narrada por Cabrera Infante em “Havana para um infante defunto”, toda baseada em trocadilhos improvisados, levando a um resultado de puro non sense, exigindo de seu participantes raciocínio fenomenal e muita habilidade com as palavras. Mas lembro do inicio de outra conversa bastante peculiar, essa descrita por Ralph Steadman em “Freud”. Freud, Jung e mais um colega que não me vem a memória, estão num navio, rumo a nova iorque. Um deles, enjoado, vomita e diz: “Estou passando mal, deve ser algo que comi”. No que o outro completa que “ou foi algo que você pensa que comeu” e o terceiro emenda com “ ou talvez você tenha pensado em comer alguma coisa” e segue-se um longo dialogo especulativo, tipicamente psicanalítico, em que palavra e realidade são indissociáveis.
Uma das piores coisas de estar aqui eh não entender a língua. No inicio me assustava com um “Kyllinge” onipresente nos restaurantes. Seria o atendente um assassino convicto? Não, trata-se de frango, galinha, algo inofensivo e, se bem preparado, saboroso. Nada que mate. Já “tak for det” (pronuncia-se “ta que fode”) não eh nenhuma grosseria, ao contrario, eh “muito obrigado por isso”. Ouvindo não da pra perceber mas quando se escreve eh notável a semelhança com o “thank you for that”, do inglês.
Nos festivais eh comum ver varias vans amarelas, meio que caindo aos pedaços. Nas laterais esta escrito “leg et lig”, ou seja, “alugue um cadáver”. Trata-se de uma companhia especializada em locar vans que, de tão velhas, não vão ter sua licença renovada, portanto o preço eh bem baixo e seus clientes, bandas iniciantes, com pouca grana.
Devo encontrar Marcus na Estação Central, onde já fui muitas vezes mas sempre de táxi pois estava carregando meu equipamento. Dessa fez, vou a pe. Como fazer para chegar nos lugares sem se perder? Simples: va no Google Maps, digite o ponto de origem e onde se quer chegar, fotografe a tela do computador e, usando o recurso de zoom para visualização de imagem da câmera, se deixe guiar. Não tem como dar errado!
São quase onze da manha e eh hora de um lanchinho pois, calculando bem, se for esperar para almoçar com
meu amigo que soh chega pouco depois da uma da tarde e antes vai passar no hotel – de auto atendimento, sem funcionários na portaria – so iremos encara alguma comida la pelas duas. Nesse clima frio a fome eh constante.
Preparo um sanduíche de atum, ponho-o no forno para esquentar. Comida fria eh coisa de dinamarquês, reptil ou barata!!
Baratas, baratas... Um outro amigo ficou com as chaves do meu apartamento e tem se utilizado dele nos fins-de- semana. Deu-me a péssima noticia que pequenas baratas tomaram conta do lugar. Não consigo entender pois isso nunca aconteceu antes! Ele me contou através de skype, uma das melhores invenções do homem – no caso, o homem foi um dinamarquês que, posteriormente, encheu el culo de dinheiro com a venda de sua criação.
Parte da minha rotina eh ditada pelo Skype ou Facebook pois assim mantenho contato com meus amigos no Brasil. Entao, as 3 da tarde sempre estou online, procurando me inteirar das novidades ou apenas puxando assunto para não ser esquecido. A diferença eh de 5 horas de fuso e percebi que dez da manha por ai – três da tarde aqui - eh um momento de pico na rede. Muita gente esta online, começando o dia de trabalho, verificando emails ou apenas enrolando o tempo antes do inicio das atividades do dia. As vezes tiro um cochilo no começo da noite para ficar acordado ate tarde e poder falar mais tranquilamente com o povo, a essa hora, em casa e mais disponível.
A eminência da volta traz saudades e mal posso esperar para me sentar num daqueles bares nojentos, geralmente a beira do esgoto, com garçons que parecem sofrer de deficiência auditiva, mas que são os lugares favoritos desse povo de gosto tão peculiar que eh o recifense.
Um pai segura a mochila da filha pequena e abre a porta do seu carro, uma mulher dentro de um vestido que lhe cobre todo o corpo, usando um lenço na cabeça, caminha olhando para o chão, uma moca usando fones de ouvido cantarola em alto e bom som sem se importar com o ridículo.
Mais um dia começa em Copenhagen....
Vou na pequena cozinha e preparo meu café da manha: corto uvas, tiro-lhes o caroço, misturo com iogurte, ponho um pouco de aveia e vou comendo enquanto leio um livro. Na seqüência, café e cigarro.
As vezes faço uma salada, as vezes um sanduíche de queijo... comer eh sempre uma preocupação em viagem. Gosto de me alimentar adequadamente, variar de cardápio, evitar gordura...e, falando nisso, não sei o quanto estou pesando. Minha medida eh uma apertada bermuda que não foi feita para o meu tamanho e que carrego sempre comigo. Se eu consigo vesti-la e respirar normalmente eh porque estou bem, caso contrario, devo ter ganho alguns quilos na região do abdomen.
Não sei se engordei depois de tantas vezes ser obrigado a comer um sanduíche ou um cachorro quente na rua por pressa ou falta de opção.
A comida daqui eh uma das piores das partes do mundo que conheço: come-se frio, sem sal, pouco tempero... come-se peixe frio, cru ou defumado, adocicado, muito pão, batatas e, como eh de se esperar de um pais com baixas temperaturas, gordura em excesso.
Os moradores sentam-se em mesas nos cafés para devorarem imensos sanduíches empapados de um creme branco. Sanduíches que negam o culto ao design local por sua falta de funcionalidade: fatalmente se desmontarão, pedaços soltos desabarão sobre o chão e as roupas do faminto. Ha gente comendo na rua mas são exceções. Diferente das grandes metrópoles como Paris, Londres ou Nova Iorque – lugares onde come-se nos parques, no metro, andando apressadamente pelas calcadas -, as pessoas aqui movem-se lentamente, o que da idéia de quão provinciana eh essa cidade.
Nas grandes cidades eh possível perceber quem eh turista pela velocidade do seu passo. Os moradores estão sempre atrasados, correndo atrás da sobrevivência, lutando contra trens e ônibus que não chegam, pulando de um emprego para o outro. Em Copenhagen nada disso acontece, eh como uma vila muito prospera e super desenvolvida, mas ainda assim, um vila: os moradores se conhecem, cumprimentam-se na rua, estão dentro de círculos que envolvem famílias, colegas de escola, de trabalho, grupos solidamente construídos durante toda uma vida, dai a dificuldade deste viajante em travar amizades e penetrar através das grossas muralhas dos relacionamentos sociais.
Observo alguma moedas pois meus cigarros acabaram e terei que sair pra comprar. A moeda de maior valor eh a de vinte kronos, gordinha, com o perfil da Rainha Margarete estampada em uma das faces. Nas duas que tenho em mãos numa tem na outra face o navio MS Selandia, um marco da navegação nacional e outra, a torre do que parece pertencer ao palácio de Grasten. Segue-se a de dez, um pouco menor, com a sempre presente Rainha de um lado e do outro, uma homenagem a H.C. Andersen, originário de Alborg, mas enterrado no cemitério bem em frente de onde moro. As moedas de dois e cinco kronos tem furos no meio e deve ser esse furo que faz a diferença de peso para o reconhecimento em tantas maquinas de auto-servico que existem por aqui, de cigarros, balas, maquinas de lavar roupa, etc...
Para saber quanto vale um krono, o calculo eh fácil: divida por 30, multiplique por 4 e você terá aproximadamente o valor em euros. Pare por ai porque seria um erro continuar a conversão para reais, se assim for feito, uma dor lancinante tomara conta do seu bolso.
Uma cerveja num bar bacana custa 50 kronos, façam o calculo e entendam o que digo...
Nesta quinta-feira espero meu amigo Marcus chegar da Suíça para uma visita de 4 dias, isso significa excelente companhia para passear, filosofias de boteco, viagens no tempo e alternar niilismo com soluções definitivas para os problemas do ser humano e da civilização que esse bípede metido inventou de inventar.
Nos conhecemos ha mais de vinte anos e o que ha de bom nisso eh que nossas discussões foram se refinando a tal modo que não precisamos de muitas explicações para entendermos mutuamente nossos rodeios, metáforas ou ironias pois sabemos o que o outro esta querendo dizer mal se começa uma sentença. Uma boa conversa eh um jogo intelectual, onde não se pretende ter razão em nada, apenas desenvolve-la, deixa-la fluir, brincar com as palavras e, como no pôquer, blefar com o parceiro, engana-lo para fazer graça, sorrir das besteiras... enfim, uma boa conversação, em volta de uma mesa, com café, cerveja ou conhaque para estimular os presentes, eh uma das melhores formas de exercitar do dolce far niente.
Eu queria estar ao lado da minha estante de livros para poder citar a louca conversação narrada por Cabrera Infante em “Havana para um infante defunto”, toda baseada em trocadilhos improvisados, levando a um resultado de puro non sense, exigindo de seu participantes raciocínio fenomenal e muita habilidade com as palavras. Mas lembro do inicio de outra conversa bastante peculiar, essa descrita por Ralph Steadman em “Freud”. Freud, Jung e mais um colega que não me vem a memória, estão num navio, rumo a nova iorque. Um deles, enjoado, vomita e diz: “Estou passando mal, deve ser algo que comi”. No que o outro completa que “ou foi algo que você pensa que comeu” e o terceiro emenda com “ ou talvez você tenha pensado em comer alguma coisa” e segue-se um longo dialogo especulativo, tipicamente psicanalítico, em que palavra e realidade são indissociáveis.
Uma das piores coisas de estar aqui eh não entender a língua. No inicio me assustava com um “Kyllinge” onipresente nos restaurantes. Seria o atendente um assassino convicto? Não, trata-se de frango, galinha, algo inofensivo e, se bem preparado, saboroso. Nada que mate. Já “tak for det” (pronuncia-se “ta que fode”) não eh nenhuma grosseria, ao contrario, eh “muito obrigado por isso”. Ouvindo não da pra perceber mas quando se escreve eh notável a semelhança com o “thank you for that”, do inglês.
Nos festivais eh comum ver varias vans amarelas, meio que caindo aos pedaços. Nas laterais esta escrito “leg et lig”, ou seja, “alugue um cadáver”. Trata-se de uma companhia especializada em locar vans que, de tão velhas, não vão ter sua licença renovada, portanto o preço eh bem baixo e seus clientes, bandas iniciantes, com pouca grana.
Devo encontrar Marcus na Estação Central, onde já fui muitas vezes mas sempre de táxi pois estava carregando meu equipamento. Dessa fez, vou a pe. Como fazer para chegar nos lugares sem se perder? Simples: va no Google Maps, digite o ponto de origem e onde se quer chegar, fotografe a tela do computador e, usando o recurso de zoom para visualização de imagem da câmera, se deixe guiar. Não tem como dar errado!
São quase onze da manha e eh hora de um lanchinho pois, calculando bem, se for esperar para almoçar com
meu amigo que soh chega pouco depois da uma da tarde e antes vai passar no hotel – de auto atendimento, sem funcionários na portaria – so iremos encara alguma comida la pelas duas. Nesse clima frio a fome eh constante.
Preparo um sanduíche de atum, ponho-o no forno para esquentar. Comida fria eh coisa de dinamarquês, reptil ou barata!!
Baratas, baratas... Um outro amigo ficou com as chaves do meu apartamento e tem se utilizado dele nos fins-de- semana. Deu-me a péssima noticia que pequenas baratas tomaram conta do lugar. Não consigo entender pois isso nunca aconteceu antes! Ele me contou através de skype, uma das melhores invenções do homem – no caso, o homem foi um dinamarquês que, posteriormente, encheu el culo de dinheiro com a venda de sua criação.
Parte da minha rotina eh ditada pelo Skype ou Facebook pois assim mantenho contato com meus amigos no Brasil. Entao, as 3 da tarde sempre estou online, procurando me inteirar das novidades ou apenas puxando assunto para não ser esquecido. A diferença eh de 5 horas de fuso e percebi que dez da manha por ai – três da tarde aqui - eh um momento de pico na rede. Muita gente esta online, começando o dia de trabalho, verificando emails ou apenas enrolando o tempo antes do inicio das atividades do dia. As vezes tiro um cochilo no começo da noite para ficar acordado ate tarde e poder falar mais tranquilamente com o povo, a essa hora, em casa e mais disponível.
A eminência da volta traz saudades e mal posso esperar para me sentar num daqueles bares nojentos, geralmente a beira do esgoto, com garçons que parecem sofrer de deficiência auditiva, mas que são os lugares favoritos desse povo de gosto tão peculiar que eh o recifense.