Invenções
A gente se inventa o tempo todo.
A gente se inventa gordo, baixo e feio. Ou belo, sarado e gostoso.
A gente pensa que é inteligente, bacana e que nossa conversa desagrada somente aos bárbaros. Bárbaros, sim, pois a gente se inventa também como iluministas da raça humana.
O Recife, nosso corpo maior – somos células, pedacinhos que compõem essa cidade – se inventa do mesmo jeito.
O Recife inventa tradições, um passado glorioso - embora baseado na escravidão e na monocultura – de poder e influência política e se inventa nobre e aristocrático mesmo que a verdadeira nobreza – senso comum na contemporaneidade – resida na democracia, na tolerância e diversidade, o contrário do comportamento da elite local.
O Recife inventou que tem a cena musical mais rica e interessante do país e muitos vociferam “do mundo”, em seu mundinho – de Olinda a Candeias – como pastores de uma nova religião.
Se inventa a importância da maior avenida em linha reta, o maior shopping center da América Latina e até mesmo, piada involuntária caruaruense, o maior cuscuz do mundo.
(E cá entre nós: a Caxangá é de uma feiúra de dar dó – ou de doer – e não tem um segundo maior cuscuz para servir de parâmetro para o primeiro)
O foco dessa coluna é música, daí volto ao assunto: temos mesmo a cena mais bacana, mais atuante ou influente do Brasil?
E por que não temos um único clube interessante com bandas nova tocando diariamente? O que acontece com a cena de DJs, imobilizada pela auto complacência de tocar apenas para amigos – estrutura de som, luz e ambientação beirando o zero - ou, por outro lado, baseada apenas em hits fáceis de boites que mal abrem as portas já fecham sem realmente conquistar uma audiência fiel?
Paulistanos inventam que o Recife é uma maravilha enquanto recifenses migram para Sampa em busca de oportunidades. Mudar o lugar ou mudar de lugar? Eis a questão que assombra nós, moradores dessa cidade!
Pergunta: quantas bandas realmente boas, bem sucedidas, ficaram por aqui fomentando seu sucesso do Recife para o mundo? Quantas optaram pela não demagogia bairrista e, a partir daqui, dialogaram com o mercado e, consequentemente, com um público maior que seus vizinhos de bairro? Sim, existem algumas poucas...mas nada que justifique a imagem que a cidade inventou de si própria.
Termino, inconcluso, com a lembrança de uma letra de Zeroquatro – herói local – recontextualizado: é tudo uma grande invenção.
In-Bolada
O que pode fazer um garoto ou uma garota pobre numa cidade como o Recife senão montar um grupo de hip-hop?
Despretensiosa e de baixo orçamento porem eficiente é a compilação Dialeto Sonoro Contemporâneo, do selo In-Bolada Records. Respondendo a questão formulada na coluna de hoje, eles optam por mudar a cidade a partir da periferia. Mais que uma posição geográfica, a periferia é tratada como cultura à parte ou como uma forma de identidade.
A produção é simples mas convence em faixas como Geografia dos subúrbios, do Aps ou As rosas falam sim, remix idealizado pelo DJ 9Ato para o grupo Rosas Urbanas. Minha favorita é Cantarolanado, das Donas, que faz uma interessante ponte entre o rap e a embolada de rua.
Viciante
O Vício Louco, destaque na estréia do populista – além de gordo e mal vestido – Central da Periferia, da Rede Globo, é um dos grupos mais bacanas da cidade. Eles tem um hit contagioso e hilário contendo um sampler do pica-pau, aquele personagem do desenho animado e são espécies de estrelas de uma cena que não freqüenta nossos cadernos culturais.
O Picapau (a grafia no disco é assim) pode ser achado em qualquer camelô. È só pedir. E não é pirataria: é informalidade consentida, pois o dinheiro vem de shows e não de vendas de CD.
B-Boys, B-Girls
Sob o interessante conceito de crew – equipe que reúne MCs, grafiteiros, dançarinos – a U.B.I. Zulu Kingz reúne cerca de vinte b-boys, garotos e garotas, entre pichototinhos e o líder, o veterano Pacheco, da primeira formação do Sistema X.
Articulados com o resto do país, planejam abrigar até o fim do ano o evento de dança aqui no Recife. Por detrás da articulação, Soldier, b-boy das antigas que no dilema já citado optou por mudar de lugar e se mandou para São Paulo mas sem perder a conexão Recife.
Abençoados pelo grande pai Bambaataa – Zulu Kingz é o nome de seu próprio crew -, os meninos dançam e a gente curte.
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