domingo, abril 02, 2006

Idéias conspiratórias (para pessoas otimistas)

Existe um trecho em Santo Amaro, na Rua da Aurora, entre a Capitão Lima e a Mário Melo – uma muralha formada por edifícios, arrumados feito altar à civilização – onde ventos transatlânticos trazem aromas africanos para os moradores dos andares mais altos. Lá, num daqueles quartos – à meia luz, como tango clássico – um pirralho ou uma pirralha – só pra não desagradar minha amiga do S.O.S. Corpo – está à frente de um computador. Luz azulada no rosto, dedos clicando o mouse e, na tela, uma idéia em processo de execução.
Quem sabe, um blog? Ou um filme? Um final alternativo para o último livro Harry Poter – talvez melhor que o original? Uma música incrível? Ou um remix ilegal – não autorizado pela gravadora – que vai circular entre amigos, objeto e trilha sonora de ato de desobediência civil.
Não só na Rua da Aurora. Mas também em Casa Amarela, na silenciosa Apipucos do mestre Gilberto Freyre, em Surubim ou em São Raimundo Nonato, no Piauí, em Angola, na Argélia, sob o céu que protege os confins do mundo, o fenômeno se espalha: um monte de gente expressando-se através da música, de texto, de imagens, de games e até mesmo de softwares. Para que isso aconteça, apenas a ajuda humilde de um computador. Pouca grana, pouco compromisso com o lucro e o desprendimento de deixar os outros copiarem gratuitamente sua obra. Retorno mais que justo para quem não paga para recriar a obra alheia.
Dividir informações em texto, áudio, vídeo, programações e tudo mais que for digitalizável, com o resto do mundo em softwares – Soul Seek, Kaazar, Limeware e tantos outros – que estão no limite da ilegalidade faz um enorme bem para a civilização e deveria ter o mesmo apelo que leva alguém a acreditar na solidez que um prédio de 20 andares pode oferecer aos seus moradores ou na engenharia de um avião que vai chegar inteiro ao seu destino.
The times, they are a-changin – hey, Bob Dylan! –, é um genial jogo de palavras que relaciona dor e mudanças, muito bem aplicável a esse momento de transformação: downloads, freewares, troca de arquivos, Creative Commons (http://creativecommons.org) e a informalidade digital dos camelôs representam a mudança, enquanto leis do tempo do ronca e executivos da velha guarda são as dores de um mundo decadente que resiste ao que a gente anseia pro futuro.