sexta-feira, janeiro 06, 2006

Maldito DJ

Quando cheguei no Recife, tive como porta de entrada a antiga Rodoviária, hoje desativada, no cais de Santa Rita. Fui andando de lá até a Boa Vista onde repousaria meu corpo cansado de tantas novidades da cidade grande: lojas de discos, livrarias como a Livro 7, o ainda belo bar Savoy com seus estofados vermelhos e a imensa Conde da Boa Vista onde conheci uma punkezinha, argumento maior de que eu tinha chegado na cidade certa.

Corria 1984 e a maioridade estava em minhas mãos. O motivo que me trouxe para cá foi aquela fome de mundo que eu não poderia aplacar em Aracajú, onde morava na época. Aqui encontrei a porta que procurava e agora, passado tanto tempo, posso dizer que, como naquela tela de Cícero Dias, eu vi o mundo e ele começava no Recife.

Hoje, lamento que o que para mim foi a entrada no vasto mundo lá fora para muitos nascidos aqui representa um túmulo com o epitáfio, em letras douradas, onde se vê escrito “bairrismo”. Ah, esse sentimento horrível que nega a diferença e nos faz acreditar que, de maneira absoluta, o lugar que a gente vive é melhor que os outros lugares. Ah, esse auto-engano que cega a vista diante de tantas possibilidades de vida ...

Premissas mentirosas, ignorância, preguiça intelectual, benevolência crítica ... Tudo isso funciona como amarras de uma cena que poderia ser maior, inclusive mercadologicamente. O efeito do bairrismo é se fechar contra o mundo. Não por acaso o bairrista é sempre alguém que teve oportunidades negadas fora da cidade e por isso o lugar fica tão importante quanto uma pequena tábua de salvação. Seu amor ao Recife é falso, posto que não houve escolha mas é a única coisa que ele tem para se agarrar. O bairrista é como aquele anão, orgulhoso de sua altura, tão bem descrito por Stendhal.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

sempre fui curiosa para saber como tudo comecou, ja te fiz bastantes perguntas em relacao a isso...em relacao a como vc chegou aqui e etc...Recife foi tua porta para o mundo talvez para mim tenha sido a porta de entrada na qual eu permaneco e vejo que para vc deve ser o mesmo pois vc permanece aqui...nao concordo muito com a definicao bairrista que deste em teu texto porém e bom ressaltar que mercadologicamente a cena musical poderia se expandir muito mais, ressaltando que a uma grande diversidade musical por aqui e ideias boas só nao existe tanta oportunidade certo?

outra de tantos lugares que tu conheceu Recife deve ser o mais surpreendente...concordas...?

2:08 PM  
Anonymous Anônimo said...

Muito boa sua descrição sobre o bairrismo Pernambucano. É surpreendente ainda ouvir de pessoas aqui de São Paulo, ainda admiradas com a música que se faz em Recife, o quanto este bairrismo é "desnecessário". Ou seja, sentem na pele uma certa marginalização de quem é marginal. E quando digo que a cidade - São Paulo - é difícil, ouço pessoas daí dizendo que eu deveria voltar e coisa e tal. Mas as coisas que vivi ai me dizem que este lugar não é o paraíso, pelo contrário, é extremamente coronelista, fechador de portas se você se aventura a criticar o que não acha correto. Aqui também é o inferno, mas posso falar o que quiser e no outro dia as portas de trabalho não irão se fechar para mim.
No entanto, criar uma industria musical local e descentralizar toda a produção cultural do país seria algo desejável, não? Será que faria diferença? Não gosto do centralismo paulistano, dos grandes conglomerados dominando a informação, mesmo que haja a Internet para fugir da mediocridade.

12:35 PM  

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