Quem é o dono? (Parte 1)
He-Man no maracatu? Sabonete na ciranda? Sim, existe e não foi um super DJ de bootlegs (nome dado a faixas que se utilizam de trechos de outras músicas sem autorização legal) que fez esse mix aparentemente maluco.
Nos maracatus e cirandas espalhados pelo estado, a metaleira frequentemente se apropria do que se ouve em rádios, jingles ou nos temas das mini-séries da TV. Então, não se espante se você reconhecer o tema dos trapalhões entre um verso e outro de Barachinha. Não é mera coincidência. Trata-se dessa teia de conhecimento compartilhado chamada cultura.
Em sua sabedoria a cultura popular parece ser mais desencanada com a pergunta “a quem pertence essa música?” e, generosamente, versos se aprimoram, esculpidos por poetas diferentes, em diferentes épocas, enquanto melodias refeitas centenas de vezes se espalham nas noites frias da zona-da-mata.
O compartilhamento de informações na música se repete nas grandes cidades com o mesmo espírito mas utilizando outras ferramentas como o sampler, espécie de gravador, seqüenciador. Nos bailes funks do Rio ou nas festas de aparelhagem em Belém do Pará, pequenos pedaços de som são reciclados para construir um híbrido novo e absolutamente original. Quem usa samples (ou, literalmente, amostras) usa-os como um músico usaria as notas de um teclado para compor.
As legislação brasileira sobre o assunto é retrógrada e inibidora dessa forma de expressão que cresce muito a cada dia. Para quem quer samplear algo e pagar por isso há tantas barreiras que é mais fácil fazer as coisas de modo ilegal. Em seus delírios de pureza, as leis protegem o autor a ponto de separa-lo da realidade, de seus pares, como se alguém realmente criasse algo de modo solitário e independente. Como se a música não fosse o acúmulo de técnicas e gostos depurados durante séculos de experiência humana.
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