domingo, outubro 23, 2005

O mangue nunca existiu

Nos últimos dias da década de 80 essa cidade era um dos lugares mais aterrorizantes do mundo para pirralhos de 20 e poucos anos como eu e meus amigos. Duros, sem muitas perspectivas e sem internet ralávamos para obter um pouco de informação através de um fanzine bacana, revista importada ou um lançamento gringo que desse algum sentido para nossas vidas.

Durangos cheio de idéias e pouca prata. Forçosamente tínhamos que escolher a primeira alternativa ao impasse “mudar o lugar ou mudar de lugar?” Começamos a fazer festas com o objetivo de criar uma cena, uma zona territorial autônoma que iluminasse aqueles dias sombrios de verão. Conseguimos montar um circuito de festas undergrounds no Recife Antigo, então lugar de prostituição, sem glamour e sem shopping. Foi em torno dessas festas que se reuniu um grupo de pessoas tão bem descritas no manifesto mangue de Fred Zeroquatro “interessados em design, teoria do caos, acid house ....”

No início era um coletivo de DJs logo superado pela persuasão sonora das bandas Mundo Livre e Nação Zumbi que viraram ponta-de-lança de um projeto coletivo: criar uma “cooperativa cultural” para lançar discos, livros, produzir vídeos e toda a sorte de sonhos que se tem nessa idade. Chegamos a fazer alguns dos primeiros shows envolvendo toda a equipe, com cenários, projeções e cartazes bacanas. Isso é o que chamávamos de Mangue Bit.

O fim dessa utopia coincide com a profissionalização da Nação e Mundo Livre, então contratadas por gravadoras, com empresários e tudo mais que envolve uma longa e respeitável carreira. Era impossível manter diálogo com a Sony ou a Warner e as tentativas de absorção do resto do time foram em vão. A imprensa, sempre atrás da novidade fácil, nunca entendeu o que era um coletivo ou uma cooperativa cultural e o mangue (agora já Mangue Beat, por um erro de compreensão de algum jornalista) passou a ser tratado como “movimento”, virou fenômeno de massa sem diálogo e pouca reflexão além dos clichês curiosamente bairristas ao contrário de uma idéia originalmente cosmopolita. E efêmera.

1 Comments:

Blogger Chico said...

cara jah disse que sou teu fã???
bons textos
abraço

3:19 AM  

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